ZELITO - Conto Fúnebre e Sobrenatural - Luiz Raimundo
ZELITO
Luiz
Raimundo
Zelito
era dessas pessoas que não perdiam um velório. Me lembra até um antigo vereador
de Ponte Nova, que certa feita, acompanhando um pequeno cortejo, reclamou que
eles estavam errando o caminho do cemitério, quando lhe disseram que seguiam
ainda para buscar o corpo.
Pois bem. Sexta-feira,
cedinho, Zelito saiu de casa e ouviu o carro anunciando um velório. Já
distante, ele não conseguiu ouvir o nome do “de cujus”, mas, para não
perder tempo seguiu para a única capela velório da cidade, antes de ir para o
trabalho.
Lá chegando
deparou com mais gente conhecida do que esperava. Foi se esgueirando entre eles
para ver a cara do defunto, estranhando, entretanto, que ninguém o
cumprimentava ou parecia se dar conta da sua presença. Ao chegar perto da urna
mortuária, um susto tremendo. Olhou para si mesmo e para o féretro. Se beliscou
no braço, na barriga, nas bochechas, para ter certeza de que não estava
sonhando. Não estava. Mas corpo na urna, com um sorriso meio tristonho, coberto
de flores até a cintura, era o seu. Ele estava presenciando o seu próprio
velório.
Mas para
entendermos melhor esta história, temos que voltar um pouco no tempo. Zelito
era um mestre carpinteiro, muito querido e estimado por todos, embora tivesse
uma vida social muito discreta. Era de casa para o trabalho e vice-versa, de
segunda a quinta-feira. Às sextas, se dava ao luxo de, ao sair do trabalho,
passar no bar do Tonho e tomar uma cerveja e uma dose de pinga, e como
tira-gosto um naco de linguiça passada no álcool em chamas.
Fora casado com
Zefinha, mas havia ficado viúvo há uns três anos; ela morreu em decorrência de
câncer no estômago. Nunca pensou em se juntar a outra mulher. Vivia sua vidinha
simples e recatada.
Depois da morte
de Zefinha, em cujo velório não compareceu mais uma meia dúzia de pessoas, o
que o deixou ainda mais desolado, fez uma promessa a si mesmo, de ir a todos os
velórios dos quais tomasse conhecimento, conhecesse ou não o morto ou seus
familiares, pois sentiu na pele o quanto faz falta o apoio e o suporte de
amigos nessa hora.
E assim passou a
fazer desde aquela data.
Como dissemos
antes, Zelito não tinha uma vida social, por isso, se relacionava com poucas
pessoas: os seus colegas de trabalho, no ambiente de trabalho e o Seu Neco, que
toda manhã lhe levava o leite e três vezes por semana verduras frescas. Seu Neco
tinha a chave de entrada da casa, e, cedinho, quando chegava à cozinha, Zelito
já estava preparando o café, esperando o leite, para fazer o seu desjejum.
Naquela quinta-feira,
Seu Neco estranhou a ausência de Zelito na cozinha. Chamou por ele uma, duas,
três vezes, sem obter resposta. Com a liberdade que tinha, dirigiu-se ao quarto
do amigo, que estava deitado de bruços. Chamou por ele e não obtendo resposta,
deu-lhe uma sacudidela, percebendo que ele se encontrava frio como gelo, virou
o corpo e mirou-lhe nos olhos, já sem vida, e com um tom arroxeado em volta dos
lábios. Infarto fulminante.
Nada mais
restava ao Seu Neco senão tomar providências para as exéquias do amigo.
Aí voltamos ao
velório.
Até aquele
instante Zelito não tinha se dado conta, ou não quis acreditar, que havia
morrido. Vendo o próprio corpo ficou sem saber o que fazer, começou entrar em
pânico, quando de repente uma luz muito forte se forma à sua frente, abrindo um
túnel todo iluminado, e alguns há metros adiante, vê sua amada Zefinha, com um
sorriso lindo e os braços abertos esperando por um abraço. Titubeante naquela
situação, começa a caminhar e Zefinha vem ao seu encontro, abraça-o ternamente,
e seguem o caminho da Luz, que se fecha atrás deles.
Ninguém na sala
percebeu nada.
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