MACABRO SÃO JOÃO - Conto de Terror - Paulo Soriano
MACABRO SÃO JOÃO
Paulo Soriano
Como
fazia todos os anos, Paulino Silvino Malta vestiu roupas domingueiras, abrigou-se sob velho
terno negro com o qual se casara há nove anos, ajustou na bainha a velha espada
de prata herdada do avô Silvino e foi, com a mulher, enfiada numa saia colorida
plissada, comemorar o São João no Arraial das Cotias.
Na
festa, durante a dança da quadrilha, ele era o imperador. Recebia manto, cetro
e coroa de latão, depois sentava-se ao trono junto à esposa imperatriz, e, terminado o
baile sanfonado, escolhia, entre os súditos, o par mais animado, que se sagrava duque e duquesa do festejo.
Então,
as gentes comiam bebiam até o limiar da madrugada.
Saiu
da fazenda Boa Sorte às seis da noite, deixando Luís Raimundo — o único filho
de oito anos — sob os cuidados da velha Teresinha, uma velha amiga.
Raimundinho
era esperto. Noite alta, fingiu que caía no sono, esperou a velha guardiã adormecer
na cadeira de vime e saiu para brincar, sozinho, ao abrigo do céu noturno.
À
meia-noite, Paulino e Vitória Malta retornaram.
A
boa mulher ouviu ruídos estranhos no galinheiro e alertou o marido.
Lua cheia, Paulinho distinguiu, na boca sanguinolenta daquele vulto acinzentado, uma ave. Seis galinhas estavam mortas. O pequeno lobo mastigava prazerosamente.
Vitória
correu à casa. Teresinha, caída no chão do sala, agonizava num mar de sangue.
Tivera a goela dilacerada.
Entrementes, Paulino olhava para a coisa. Entrou no galinheiro. Embora não fosse adulto, o lobo já
era grande o suficiente para atacá-lo com fúria e determinação.
O
animal ensaiou o bote. Paulino Silvino desembainhou a espada. O lobato, com ódio nos
olhos e sangue nas fuças arreganhadas, deu o salto. O golpe foi certeiro. Um
único movimento do homem com a mão direita e a cabeça do lobo rolou no chão de barro
batido.
Paulino repôs a espada ensanguentada na bainha e seguiu para a casa, contígua ao galinheiro.
Encontrou Vitória, chorando, no caminho. Contou-lhe ela sobre a tragédia.
O homem voltou ao galinheiro. Prometeu à esposa esquartejar o
animal. Vitória o observava à distância.
Quando
uma nuvem turva do céu obliterou o magnetismo deletério da Lua, marido e mulher
viram que o lobato decapitado convulsionava e, numa rápida transformação,
convolava-se nos despojos de uma criança. Com os olhos verdes voltados para a
Lua, era a cabecinha de Luís Raimundo o que se via.
Paulino
jamais acreditara em lobisomens. Mas os anciãos da vila de Paço Imperial bem
sabem o acontece com aqueles que, nascidos em 25 de dezembro, têm a má sorte de
estarem acordados no limiar da madrugada do dia de São João... em plena Lua cheia.
- Conto publicado originariamente em 23/08/2023.
Muito bom...que tenhamos mais autores nacionais em terras tupiniquins...
ResponderExcluirmt bom achei interresante
ResponderExcluiramigo, vou ler hoje à noite depois do jogo América x Avaí, jogaço hoje...
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