A FIGURA NA JANELA - Conto de Terror - José Helder Antunes

 


A FIGURA NA JANELA

José Helder Antunes

 

 Era noite e a chuva caía incessantemente. Escrevia coisas em meu diário, aleatoriamente. A verdade é que, em noites como aquela, eu costumava escrever poemas.

Bem, as coisas, às vezes, não parecem ser o que são. Tudo estava calmo, os ponteiros do relógio batiam levemente, com a mesma calma em que eu escrevia.

Tic-tac-tic-tac...

De tempos em tempos, levava o chá até os lábios, um chá de camomila, extremamente amargo, para que meus nervos ficassem calmos e os meus pensamentos ficassem mais claros.

Raios e trovoadas tomavam conta dos céus noturnos de Porto Velho, as luzes do alpendre de minha casa piscavam, como que quisesse apagar a qualquer momento.

Eu estava sozinho — moro sozinho, para dizer a verdade — e já não me preocupava ou sentia medo de que coisas acontecessem. Sempre fui um homem corajoso, fui criado por pais cearenses, muito rígidos e austeros, além de me ensinarem a ser meio rígido também.

A verdade é que todos nós temos medo de alguma coisa, não podemos escapar dos nossos medos como escapamos — algumas vezes — de nossas dívidas.

Meu telefone vibrava, era Paula a me mandar mensagens. Perguntou-me se estou bem, “sim, Paula”, eu respondia. Tudo era mensagem de texto agora, tudo era virtual.

“Estou aqui fora, abra-me a porta, pelo amor de Deus”, e lá ia eu, abrir a porta para que minha amiga entrasse.

— Que chuva! Que Chuva! — disse-me — tu não estás com frio, Mário?

— Não, aqui dentro está bem aquecido. Tome — entreguei-lhe uma toalha —, sente-se. O que a traz aqui, nesta chuva torrencial?

— Queria te ver, apenas isso.

— Tudo bem, então. Fique na frente da lareira, vou preparar mais chá.

Fui à cozinha colocar a água para ferver, abri aporta do armário de madeira que ganhei de minha mãe e retirei algumas bolachas, separei-as em um prato, peguei uma lata de manteiga e passei nas bolachas. A água começou a ferver, coloquei a camomila e deixei que a água tomasse cor.

Após concluir tudo, saí da cozinha com as bolachas e o chá em mãos, dirigi-me à sala e coloquei tudo na mesinha entre os sofás. Paula já cochilava, acordei-a.

— Coma um pouco e tome esse chá, creio que aliviará o frio.

— Obrigada.

Retornei à escrivaninha, peguei o lápis e retomei a escrita. Escrevia poemas trágicos e cômicos. Adorava a prosa poética.

A chuva fortaleceu-se ainda mais, e as trovoadas rasgavam os céus com demasiado furor. Meu coração e o de Paula começaram a palpitar com força. Da janela da sala podíamos ver as grossas gotas de água caindo no chão e os clarões provocados pelas trovoadas.

Em determinado momento, agradeci por ter a companhia de Paula, pois havia ficado com medo e decidi sair da escrivaninha e me sentar ao seu lado, no sofá, pra juntos observarmos a chuva cair. E ela caía, a água batia no vidro da janela e escorria depressivamente.

Várias trovoadas rugiram nos céus, fazendo com que a energia acabasse, derrubando um dos postes de luz da rua. A escuridão tomou conta da sala e Paula, com medo, segurou a minha mão.

 



 

Quando nossas mãos estavam entrelaçadas e o silêncio só era cortado pelo barulho da intensa chuva, uma trovoada ribombou pelos céus, produzindo um imenso clarão quando olhamos para a janela e vimos a grotesca imagem: uma figura negra, sem expressões faciais e de aparência demoníaca nos olhava. Uma outra trovoada cortou os céus e com a escuridão que se seguiu, em um piscar de olhos, a figura desapareceu da janela.

Paula desmaiou, o assombro que tomou conta dela fez com que desmaiasse. Chamei uma ambulância e, no espaço de tempo em que ela se dirigia à minha casa, a chuva parou.

 

 


Narrativa disponível em PDF, EPUB e MOBI  em Free Books Editora Virtual


Imagem do miolo: Don Amaro (Atribuição 2.0 Genérica (CC POR 2.0) - https://creativecommons.org/licenses/by/2.0/deed.en.

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