O SINO DO CEMITÉRIO - Conto de Terror - Giulianno Liberalli
O SINO DO
CEMITÉRIO
Giulianno Liberalli
Caía
uma garoa fina naquela tarde de inverno no pequeno cemitério da cidade de
Berkhamsted, Inglaterra, e os familiares de Grannus davam-lhe os pêsames pela
trágica perda da sua bela e jovem esposa, Urd. Grannus conhecera Urd em uma viagem
à Escandinávia, eles se apaixonaram e foram morar na propriedade que ele herdou
anos antes.
Ele
não era um homem de muitas posses e viveram alguns anos de forma humilde,
viajava fazendo comércio e Urd cuidava da casa. Ela era uma mulher forte, saudável
e de temperamento firme, Grannus brincava chamando-a de sua “Valquíria” e como
ele passava meses fora, Urd acabou fazendo amizade com uma moça de uma casa próxima,
a encantadora Rosmerta.
Era
essa amiga que consolava o agora viúvo Grannus durante o sepultamento de Urd. A
morte dela foi marcada por uma doença que nenhum especialista da região
conseguiu identificar, simplesmente definhou aos poucos até falecer. Seu marido
não tinha mais de um mês em casa após retornar da última viagem, assim pode
ficar ao lado dela e cuidar da esposa moribunda.
Rosmerta
acompanhou tudo como a leal amiga que era e sofreu com Grannus pela sua perda.
Ela ficou ao lado dele o tempo todo no cemitério, até o final quando o último
parente se fora. Como era o costume daqueles tempos, a cova de Urd tinha um
sino do lado de fora, acontecia que pessoas dadas como mortas poderiam despertar
nos caixões e começarem a se mexer, então um sino amarrado aos seus braços soava
pelo cemitério e os coveiros corriam para desenterrar a pessoa antes que ela viesse
a morrer realmente.
Grannus
e Rosmerta observavam a cova de Urd e o fúnebre sino suspenso por um aparato
acima do chão. Era uma vigília delegada aos coveiros, porém
Grannus
pedira que ficassem por um tempo afastados para que ele pudesse fazer suas orações
e se despedir da sua amada Urd. Assim ele e Rosmerta puderam conversar com mais
privacidade quando se viram sozinhos diante da sepultura.
—
Quanto tempo mais, Grannus?
—
Precisaremos esperar por alguns meses, Rosmerta. Não pode ser assim tão rápido.
Nossas famílias e a comunidade poderão estranhar, até mesmo levantar suspeitas.
— Grannus respondeu falando em um tom baixo e olhando à sua volta para ver se
não havia algum funcionário do cemitério por perto.
—
Não foi bem isso que você me prometeu. Se não fosse pelos meus conhecimentos
com ervas e certos medicamentos caseiros as coisas teriam sido mais complicadas,
afinal Urd acabaria desconfiando de algo sobre nós. Meu tratamento foi eficaz.
—
Sim. Funcionou muito bem. Ninguém desconfia, todos acham que a morte dela foi
decorrente de uma doença estranha e inexplicável. Foi melhor assim, não teria
coragem de abandoná-la e com o temperamento dela seria um escândalo, nossos nomes
ficariam manchados na comunidade para sempre.
—
Bem. Tudo foi feito conforme planejamos e nosso caminho está livre, amado.
—
Calma. Como acabei de dizer: Mais alguns meses para que nossas famílias não
desconfiem, continue no papel de amiga querida do pobre viúvo e tudo dará
certo. Parecerá um desfecho natural.
Grannus
apertou discretamente a mão de Rosmerta atento ao seu redor, porém o adúltero
não imaginou o que aconteceria em seguida. Olhando para a amante assassina,
percebeu que seu olhar passara do seu rosto para outro lugar assumindo ar de espanto
e medo. Seguindo a direção para a qual ela olhava, viu que era a cova de Urd que
Rosmerta observava com crescente horror.
A
corda do sino estava começando a se mexer. Lentamente, quase levando o pequeno
instrumento a soar o alarme.
Apavorado
com o que aquilo significava, Grannus rapidamente se ajoelhou na terra úmida,
sacou uma pequena faca da sua cintura e cortou a corda com um gesto firme,
antes que o sino emitisse qualquer som. Sob o olhar vigilante de Rosmerta,
Grannus amarrou a corda no suporte de madeira, fazendo com que o sino ficasse
suspenso e a outra parte caiu na terra.
Acreditava
que, mesmo que alguém visse a cova de Urd com o sino preso daquela maneira,
teria tempo para convencer a pessoa que certamente ocorrera uma brincadeira de
péssimo gosto dos jovens que andavam pela região ou de invasores de túmulos que
atacavam as covas durante a madrugada para roubar joias dos defuntos.
Sem
mais se preocupar com o ocorrido, o casal de assassinos tomou os rumos de suas
casas, cada qual indo para a sua propriedade. Pelo menos por enquanto.
O
tempo passou e, durante as viagens de Grannus, Rosmerta cuidava da propriedade
dele, dizendo para a família que fazia aquilo para honrar a memória de Urd, sua
grande amiga falecida de forma tão abrupta. Grannus trazia presentes para
Rosmerta como forma de agradecimento pela sua dedicação aos bens da amiga
querida.
O
plano de ambos se desenrolou de forma tão natural e perfeita que as suas
famílias começaram a estimular o casamento. Afinal Grannus era jovem ainda, nem
chegara na casa dos quarenta anos, portanto nada melhor do que ter uma nova companheira,
e qual escolha melhor do que a amiga tão próxima?
Eles
se casaram em uma tarde de verão. Uma grande festa marcou a união abençoada por
todos e ninguém tinha um pingo sequer de desconfiança sobre como as coisas
ocorreram, tanto que atribuíram a má sorte de Urd a algo que ela tenha trazido
consigo da sua terra natal e todos foram unânimes em ficarem felizes por não
ser contagioso.
Viajaram
em lua-de-mel por alguns meses. Retornaram para a casa de Grannus, que agora
era de Rosmerta também, a sua nova e feliz esposa inglesa. Viviam felizes, até
mesmo a sombra pelo que fizeram à pobre Urd se dissipou, jogaram tudo para o
esquecimento e se dedicaram às suas vidas.
Era
uma noite fria de outono e o casal dormia, aquecido em sua confortável cama. Um
som repentino ecoou pela casa despertando Rosmerta; ela sentou-se na cama
iluminada pela luz da lua e concentrou sua audição, por alguns minutos o silêncio
reinou. Ela ficou assustada, pois na casa só viviam eles dois, não tinham criados,
Grannus estava bem financeiramente, mas não a ponto de terem serviçais.
Tampouco
tinham animais de estimação dentro de casa também, apenas um cão que dormia no
terreno para alertar se alguém se aproximasse, porém o animal estava
silencioso. Naquela noite apenas o som do vento agitando as árvores se fazia ouvir.
Rosmerta olhou para Grannus que dormia profundamente ao seu lado e, convencida
que não era nada, deitou-se novamente.
Até
ouvir o som novamente. Desta vez ouviu mais claramente... Pôde definir que som
era aquele. Sua pele se arrepiou por inteiro, sentou-se na cama e acendeu um
lampião, olhando apreensiva ao seu redor. O som que ela escutara não era algo
que se ouviria no meio da madrugada.
Foi
o som de um sino sendo tocado. Dentro da casa.
À
beira do pânico ela sacudiu Grannus, que despertou irritado com o jeito agressivo
da esposa.
—
Rosmerta! O que foi, mulher? O que deu em você? Teve algum pesadelo para me
acordar desse jeito? Que diabos... Ainda estou me recuperando da viagem que...
—
Psiu! Fique quieto, Grannus!
O
tom de alarme de Rosmerta fez com que ele despertasse totalmente.
Ele
se sentou na cama e a encarou.
—
O que houve? — Ele perguntou sussurrando.
—
Está ouvindo?
—
O quê? Alguém entrou na casa?
—
Não sei... Preste atenção.
Por
alguns minutos o silêncio reinou, Grannus estava quase se deitando novamente.
(Tlim...)
—
Agora, agora! Ouviu? — Rosmerta ainda segurava o lampião com a mão trêmula,
tinha ficado de pé ao lado da cama. O rosto assustado de Grannus confirmou que
ele também acabara de ouvir.
—
Isso foi o som de um sino? Dentro de casa? Nós não temos sinos. Deus
todo-poderoso...
—
Vá ver. Vai lá ver o que é.
—
Enlouqueceu? Pode ser um assaltante, mulher!
—
Invasores não tocam sinos! Vai... Estou apavorada.
Grannus
vestiu sua calça, não queria confessar para a mulher, mas também estava
morrendo de medo. Quem invade uma casa tocando sino? Acendeu outro lampião e
saiu do quarto, Rosmerta ficou de pé, trêmula, aguardando o marido voltar,
dizendo que era apenas o vento batendo na prataria da cozinha ou algo semelhante.
Talvez tivessem esquecido alguma janela aberta no andar de baixo.
Ela
ouviu os passos do marido sumindo pelo corredor em direção à
escada,
depois os degraus da escada rangendo sob o peso dele e, em seguida, o silêncio imperou
pesado e agoniante. Até ela ouvir novamente o som do sino.
(Tlim)
Quase
deixou o lampião cair com o susto. Foi até a porta do quarto e olhou para o
corredor escuro em direção à escada.
—
Grannus? Grannus? Onde você está?
Um
grito de gelar a espinha ecoou pela casa, era a voz de Grannus. Rosmerta ficou
congelada de medo na porta do quarto, não ouviu mais nada depois do grito e não
tinha forças para dar um passo adiante. Não houve sons de luta, nem do lampião
dele se quebrando, nada além de um grito e o silêncio em seguida.
—
Grannus? O que...
(Tlim)
Novamente
o som do sino ecoou pela casa. Parecia vir da escada.
—
Quem é? Por favor... Eu não...
(Tlim...)
O
sino tocou e desta vez o som veio do fundo do corredor. Rosmerta não conseguiu
desviar os olhos da escuridão até que ela dominou tudo ao seu redor.
Nos
dias que se seguiram àquela noite Grannus e Rosmerta não foram vistos em lugar
algum. Estranhando o tempo prolongado de ausência e sabendo que ele não estaria
viajando naquela época, os familiares foram até a casa deles. Ao chegarem lá, tiveram
que arrombar a porta, pois estava trancada pelo lado de dentro.
Andaram
pela casa chamando por eles, mas ninguém respondeu. A casa estava tomada pela
poeira e pelo ar rançoso de comida estragada, no quarto a cama de casal estava
desarrumada como se tivessem se levantado e a abandonado. Nada estava faltando
e nem havia sinais de arrombamento. Um primo de Grannus chamou pelos demais e
os levou até o escritório.
Em
cima da mesa de trabalho de Grannus repousava um pequeno sino do tipo usado nas
covas dos cemitérios, sujo de terra e lama ressecada com um pedaço de corda
puída amarrada a ele. Um deles sugeriu que fossem até o cemitério para falar
com os coveiros, ver se algo mudara na sepultura de Urd, pois temia que eles
tivessem sido atacados por ladrões de covas insatisfeitos, já que a falecida
havia sido enterrada sem objetos valiosos. Quando chegaram ao local, viram que
o sino da cova de Urd não estava lá, um pedaço de corda saía do chão e que a
terra parecia remexida.
Um
tio de Grannus ordenou que a cova fosse aberta. Cavaram até chegar ao caixão e,
para o espanto de todos os presentes, dentro dele estavam os corpos de Grannus
e Rosmerta entrelaçados com as roupas de dormir, seus rostos estavam escuros e
retorcidos, as bocas abertas como se estivessem gritando e os olhos
esbugalhados dizendo que a última visão deles foi a do mais puro horror. Um
detalhe deixou a situação mais sinistra ainda: Somente os corpos deles estavam
lá, mas o cadáver de Urd havia sumido.
O
acontecimento deixou a região aterrorizada. As pessoas passaram a temer que
suas casas fossem invadidas por quem ou o que cometera aquela atrocidade com o
infeliz casal e levado o corpo de Urd. A cidade de Berkhamsted ficou famosa por
muitos anos graças a essa história e a casa de Grannus ficou fechada por
décadas, sendo considerada amaldiçoada, a lenda do casal desfigurado e
enterrado na mesma cova se espalhou e ninguém queria morar ali.
A
propriedade foi cuidada pelos parentes de ambos por muito tempo e a estranha
história do casal ficou no passado como um mistério nunca resolvido.
Conseguiram
vender para uma família recém-chegada à cidade e que não deu ouvidos para o que
os locais contavam por onde quer que andassem.
Logo
se acostumaram à presença do simpático casal e da pequena filhinha deles na
casa que ficou sendo alvo de histórias horríveis por anos. Alguns vizinhos
espalhavam que ouviam sons de gritos e de coisas quebrando vindo da casa antes
que se mudassem, porém nunca encontraram nada danificado e nem revirado.
Tudo
foi relegado ao status de folclore, invencione dos aldeões mais velhos
que tentavam impressionar os mais jovens.
Assim
o mistério da antiga casa vazia de Berkhamsted caiu no esquecimento.
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Passava
um pouco das duas da manhã de uma madrugada gelada de inverno quando a
garotinha entrou no quarto dos pais chamando pela mãe, ela estava assustada e
trêmula.
—
Mamãe?
—
O que houve, bebê? — Perguntou a mãe esfregando os olhos cheios de sono.
—
No meu quarto tem uma moça tocando sino...
—
Uma moça? Sino? Você deve ter tido um pesadelo.
—
Não. Ela estava perto da janela e sacudia um sininho bem devagar.
—
O que houve? — O pai estava sentando-se na cama ouvindo a conversa delas. —
Disse que tem uma moça com sino no seu quarto, minha filha? Ora, foi só um
sonho.
—
Não, papai, não foi. Ela está lá...
(Tlim...)
O
som de um sino vindo do corredor fez a menina pular para a cama gemendo e se
encolher entre os pais. A mãe a abraçou enquanto empurrava o marido para fora.
—
Mas o que será isso? — Perguntou o marido enquanto procurava um lampião.
—
Vá ver o que é!
(Tlim.
Tlim.)
O
som do sino ficou mais alto vindo do corredor e cada vez mais próximo. O homem
tentava se mover, mas o pavor o congelou. A porta do quarto entreaberta se
escancarou e os gritos foram abafados por outro som que ecoou por toda a
casa...
(TLIM)
KRAMBA MN FICOU TOP
ResponderExcluirObrigado!!
ExcluirDe nada! Seja bem-vindo!
Excluirfaz um resumo da historia pfv
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