O VENTO NA JANELA - Conto Sobrenatural - Gaizka Azkarate Saez


 

O VENTO NA JANELA

Gaizka Azkarate Saez

Tradução de Paulo Soriano

 

Havia sido um dia atarefado no trabalho e ela precisava descansar. Despiu-se, entrou no chuveiro e, enquanto a água corria sobre as curvas dos seus seios, sentiu um arrepio de prazer na zona púbica, como se mãos masculinas a acariciassem. Deixou-se levar ao êxtase total e, ao atingir o clímax de sua luxúria, apercebeu-se de que estava sozinha, não havia ninguém com ela. Saiu do banho, a janela estava aberta e o vento soprava suavemente.

— Estou sozinha e cansada. O meu subconsciente pregou-me uma peça — disse a si mesma, e dirigiu-se ao quarto, onde um sono reparador, em sua cama macia, a transportaria a um mundo de relaxamento e descanso, algo que lhe faria enfrentar vigorosamente o vindouro dia de trabalho.

Às sete horas em ponto, como todas as manhãs, o despertador tocou a sua rotineira melodia. Acordou suada, com os lençóis arrojados ao chão, sentindo-se cansada. Preparou o café, passou manteiga na torrada e, depois, dirigiu-se ao espelho; nele refletida, a palidez do seu rosto a assustou.

— Devo ter tido uma febre alta; estou pálida como um cadáver — atreveu-se a dizer à imagem refletida, como um espectro, diante de si. – Porei ruge nas faces; não posso ir assim ao escritório.

Dito e feito, às oito horas estava a caminho do trabalho.

Saiu à cidade, e a aparência das ruas era desolador: estavam vazias, sem gente, e o céu era de um vermelho fantasmagórico. Subiu os degraus do prédio onde trabalhava e o interior exibia uma imagem totalmente diferente dos dias anteriores. O porteiro não estava na guarita e os habituais grupos de pessoas conversando igualmente se faziam ausentes.

— Que estranho tudo isto! — disse a si mesma, com ar assustado, enquanto retornava à rua.  — Onde estarão todos?

Uma pontada de dor sacudiu-lhe as entranhas, enquanto regressava sobre os próprios passos. Ao chegar a casa, ligou a televisão para assistir às notícias, mas a tela negra mostrava apenas três estranhas luzes. Deveras aterrorizada, tirou o celular do bolso e tentou ligar para um dos seus contatos, mas o telefone não tinha cobertura.

Após alguns momentos de bloqueio, reagiu e decidiu voltar à rua. Tinha de contactar alguém e saber o que se passava. Não havia ninguém na rua, os eletrodomésticos não funcionavam, o céu exibia uma coloração avermelhada e fantasmagórica, persistia aquela sensação de cansaço e de dores no ventre. Deambulou pelas ruas durante horas, incapaz de encontrar respostas para as muitas incógnitas que germinavam em seu crânio.

Quando a escuridão começava a dominar a cidade, decidiu regressar a casa, mergulhada no mesmo medo com que tinha partido e nas mesmas incógnitas. Tomaria uma ducha quente para relaxar; mas, desta vez, fecharia a janela.

Um raio de luz, num distante ribombar, deu-lhe boa noite, quando ela se deitou, a fim de descansar. No dia seguinte, às sete da manhã, o familiar ruído do despertador acordou-a. Esperava que tudo o que tinha acontecido no dia anterior houvesse sido um pesadelo.

Preparou o café, passou manteiga na torrada e ligou a televisão para ver as notícias. Tudo parecia normal, até mesmo o seu estado de ânimo. Vestiu-se para ir ao escritório e, ao sair, o burburinho das pessoas e as idas e vindas dos carros animaram-na de tal maneira que quase foi atropelada por um ciclista. O prédio onde trabalhava ebulia de atividade e o porteiro cumprimentou-a educadamente, como de costume.

Mergulhou na azáfama do trabalho, sentindo que o ocorrido no dia anterior houvera sido fruto de um pesadelo, provocado pelo estresse do seu trabalho, mas, ainda assim, um pesadelo. Todavia, o que não passava eram as dores no ventre.

 — Porque não vai ao médico? Talvez lhe receite alguma coisa — disse uma de suas colegas.  — Decerto não é nada de grave, mas é bom não ter dúvidas.  

O médico que a atendeu conhecia-a desde criança, pois não em vão era amigo da família. Não era apenas o seu médico: era o seu segundo pai, o conselheiro a quem recorria quando tinha qualquer tipo de problema, no trabalho ou em casa.

— O que se passa comigo? — perguntou com ansiedade.

 — Não se preocupe, são boas notícias. Você está grávida.

 — Grávida? Isso é impossível. Não tenho relações sexuais há mais de um ano.

Presa de nervosismo, correu de volta ao trabalho, mas o choque imposto pela notícia fê-la reconsiderar e regressar a casa, para descansar e refletir como aquela gravidez seria possível. A noite anterior no banho, o vento na janela, que enigma se escondia em seu estado de gestação?

 

 


Sobre o autor: Gaizka Azkarate Saez nasceu em outubro de 1967 em Erandio (Biscaia), onde sempre residiu, exceto por alguns anos, quando se mudou para o município vizinho de Leioa. Estudou Jornalismo na EHU/UPV, trabalhou na mídia “Cantera Deportiva”, no anuário do “El Correo” e como freelancer na mídia digital “Astekari Digitala”. Embora a sua experiência mais prolongada tenha sido e esteja na mídia “Ecomunica Erandio-Leioa”, que agora se tornou um grupo no Facebook.

Em 2015, perdeu o emprego no telefone. 092 da Polícia Municipal de Bilbao, rompeu relacionamento e detectou-se um problema de saúde. Vamos, tudo um cúmulo de infortúnios. Depois de passar algumas semanas em estado de depressão, num momento de lucidez, ocorreu-lhe compilar anedotas engraçadas que vinha recordando de seu trabalho. E foi assim que começou sua veia literária.

É autor de cinco livros: “Ecos de Erandio, nombres populares de un pueblo”, onde recolhe histórias do seu município. “Estaciones y Emociones”, histórias íntimas em colaboração com outros autores. “Histórias de um confinamento”, reflexões numa chave de humor e tristeza do período de confinamento devido à Covid-19. “092, digame” e “Más anécdotas en el 092”, onde recolhe as suas experiências no telefone de emergência da Polícia Municipal de Bilbao.

Além de seus livros, várias histórias sobre diferentes temas foram selecionadas em diversos concursos literários, e algumas premiadas.

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