O VILAREJO E O OCULTO - Conto de Terror - Victor Nascimento


 

O VILAREJO E O OCULTO

Victor Nascimento

 

1822

 

Era por entre uma vigorosa floresta que se situava um exíguo e pacato vilarejo. Ele consistia numa união em formato circular, um tanto caótica, de irrisórias e singelas moradias de carvalho.

Lá, os ventos vagavam desenvoltos, sopravam impiedosamente contra os extensos pinheiros, que resguardavam os subúrbios, e eles então oscilavam pendentemente; a ventania acometia pelas incessantes frestas escarpadas das residências, e, portanto, manifestava-se com um traiçoeiro vigor, trazendo consigo um desconforto gélido.

Lá, o único modo de obter água era no riacho, que fluía impetuosamente, acompanhado por um rumor exaltado, que se davas para perceber o ressoado a uma extensa longitude.

Lá, o chilrear dos pássaros cessavam somente no crepúsculo, e então um semblante taciturno pairava nas cercanias, acentuando a penumbra do entardecer.

Lá, eles eram excessivamente devotos à fé católica, tanto que, quase todas as noites, havia missa, que se principiava no prelúdio do poente, e que se concluía no expediente umbrífero dele.

Lá, a escassez de mantimentos era notória, coagindo um bando de indivíduos a passar boa fração do dia, que era habitualmente abrasador, à demanda de subsistência.

Lá, sem embargo das adversidades, aqueles habitantes desfrutavam de uma existência moderadamente serena, mas que se viu remodelada quando, de súbito, tais sombras nefastas abateram-se sobre eles.

  — Vá, Lucy, busque água — disse Mary, e entregou dois imensos baldes a sua filha.

 — Está bem, mãe — respondeu Lucy.

 — Traga um de cada vez, mamãe está muito exausta para ir até o riacho.

 — Está bem, mãe, eu irei.

Mary e Clarence eram os pais de Lucy, uma jovem de aparência esbelta, caracterizada por sua amabilidade e um sorriso encantador.

E foi num dia idílico, de céu límpido e ensolarado, que Lucy encaminhou-se ao riacho, que se mantinha um tanto afastado do vilarejo, para reter água. No entanto, enigmaticamente, ela jamais mais retornou.

 — Onde está Lucy? — perguntou Mary a Clarence.

 — Espere, ela ainda não voltou?

 — Não...

Após decorrido um moroso período desde que Lucy foi ao riacho — no epílogo da tarde —, uma patrulha foi mobilizada com a pretensão de localizar a mesma.

—Encontramos apenas um vestígio de sangue, que emergiu das margens do rio, e que findou em meio a trilha —disse Paul aos pais de Lucy, que então desabaram em prantos.

Rumores foram disseminados pelo vilarejo, de guisa ininterrupta, por intermédio do tradicional boca a boca, e, neste mesmo dia, a notícia do indecifrável sumiço de Lucy, havia se difundido por absoluto.

E nisto, o vilarejo encontrava-se inundado pelo assombro, os habitantes perambulavam com inquietação, suas órbitas dilatadas e vigilantes, inteiramente abordadas pelo temor, reprimindo qualquer pensamento acerca do ocorrido com Lucy. Alguns até relatam vislumbres fugazes de figuras escarlates entre a vegetação densa da floresta. Naquela noite, adormecer foi enfrentado com considerável provação, pois se encontravam agitados em suas camas, perturbados pela audição de sons inexplicáveis e desconcertantes, que deixavam o coração descompassado.

No esclarecer subsequente, alguns dos residentes que permaneceram ocupados até o anoitecer, não demonstraram estar presentes naquele dia, e os familiares relataram sua desaparição a Paul, mas secretamente, porque, por enquanto, esta informação não poderia espalhar-se ao vilarejo todo, que nem foi o de Lucy. Há muitas desgraças recaindo sobre ali.

Pesou uma profunda apreensão entre os indivíduos designados para adentrar na floresta com o intuito de procurar alimentos. Tal sensação de pavor mostrou-se de feição incontrolável.

— Temos de ir lá, senão o vilarejo todo morrerá de fome. Por que tememos algum mal? Estamos em sete! — Disse Carl para todos.

— Sim! Deveremos ir. O animal que raptou Lucy ainda deve estar lá, e temos chance de pegá-lo. — Disse Ralph.

— Me desculpem, mas, e se não for um animal? — Perguntou Roy.

— Temos machados. E vamos logo, senão não teremos muito tempo à luz do dia. — Respondeu Carl, e eles dirigiram-se para a floresta.

A noite havia caído.

Na igreja, padre Walter, asseverando-se de que o perverso rubro, que habita nas profundezas obscuras daquela vasta floresta, encontrou aquelas terras desguarnecidas, e que aquele vilarejo seria circunspecto de um morticínio, clamava a Deus, mesmo ciente de que em vão, nas vigílias daquela noite, quando soube que a expedição de Carl ainda não havia retornado.

Ele fora o único que erudia sobre a Seita Rubra, que, naquelas circunstâncias, era invencível. Não há irrestritamente nenhuma ação viável a ser realizada; caso eles optem por permanecer naquele local, estarão sujeitos a um desfecho fatal; por outro lado, caso procurem fugir, igualmente estarão fadados à morte. Mal sabendo que, enquanto isto, o indescritível acontecia lá fora, os vultos carmesins vagavam pelo vilarejo, o visitando, o dominando. Com sigilo e discrição, habilmente rompendo as portas trancadas, utilizando os machados que foram subtraídos da expedição.

O breu da noite era pavorosa, uma névoa fantasmagórica pairava por ali, e, junto dela, um vento glacial, que sibilava ferozmente pelas redondezas, apoderando-se das moradas, que estavam de portas entreabertas, e cortando a pele dos corpos.

Na aurora seguinte, o vilarejo não despertou de sua letargia, pois a generalidade de seus habitantes ainda repousava em seus leitos. Mas todos exibiam olhares inexpressivos, jovens e adultos, consumidos pela magreza inclemente, adornados com manchas ruborizadas e ressequidas: mortos.

 Os sujeitos de mantos carminados ainda retiravam os corpos, e prosseguiam com eles por meio da vegetação, em rumo ao desconhecido, para que o rito fosse executado, de preferência, o mais pressuroso possível.

 Logo após, o vilarejo foi incendiado.

E, com sacrifício sanguíneo, invocaram o tão temível, que agora se alimenta dos corpos secos.

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