POR AMOR À ARTE - Conto Humorístico de Ficção Científica - Francisco Plana


 

POR AMOR À ARTE

Francisco Plana

Tradução de Paulo Soriano

 

— Malditos cientistas!   — exclamei, enquanto brincava junto à lagoa naquela tórrida manhã. A rã — que tremia, espremida em minha mão — continuou falando.

— Sem dúvida, meu escritor humano favorito é Esopo, em razão do tratamento que confere aos meus irmãos em suas fábulas... Acho que, para uma rã, tenho muita sensibilidade e inteligência. Não vê dessa forma? Reconsidere sua decisão: você não deve me comer.

Aquele bichinho verde estava fazendo um enorme esforço de empatia para salvar sua vida; muito louvável, mas eu estava começando a ficar cansado. Sim, ela era inteligente e culta. Mas também me parecia apetitosa e eu estava com fome. Cerrei um pouco mais o punho que sufocava a pobre rã.

— De pintura sei um pouco. Você sabe: minha visão não é tão perfeita quanto a sua e eu mal distingo muitas cores, mas Turner é meu pintor favorito, em razão de seu uso da luz.

— Cientistas loucos! — exclamei de novo. A culpa é deles se estou perdendo a manhã a conversar amigavelmente com meu almoço.

Tudo começara de uma forma bastante similar a como as coisas acontecem nos filmes de catástrofes. Alguém constrói um laboratório de pesquisa em cima de uma falha tectônica, a terra treme e ocorre a fuga de um vírus perigoso, que se espalha a uma velocidade exponencial por todo o reino animal. Como um efeito colateral inesperado, esse vírus afetou as bainhas de mielina de neurônios de vertebrados e invertebrados, elevando consideravelmente a velocidade de transmissão de informações no cérebro dos animais.

Em pouco tempo, quase todas as espécies animais — exceto a humana— multiplicaram enormemente a sua inteligência. E a humanidade se viu obrigada a se tornar vegetariana da noite para o dia. Velhos preconceitos culturais nos obrigaram a fazê-lo. Comer uma galinha sem cérebro era uma coisa, mas devorar uma galinha que dominava duas línguas era difícil. E as rãs espertas eram as piores. Seus sonhos mais ensandecidos haviam-se tornado realidade.

Talvez a próxima geração esteja mais preparada culturalmente para esta revolução alimentar, mas eu não. Não gosto de verduras. E estou com fome. Não me importo de me tornar um canibal.

Enquanto meditava, a rã prosseguia lutando por sua vida sua vida.

—E os Beatles eram gênios...

—Você gosta de música? — perguntei, surpreso.

Curtido pelo Sol, o rosto da rã iluminou-se ao ver uma pequena brecha para a salvação. Empatia, enfim!

O calor da manhã apertava e agora o batráquio tagarelava mais confiante.

—Eu gosto dos Rolling Stones, mas menos do que os Beatles; acho o som deles muito repetitivo. Eu amo ELO, Supertramp e, claro, Abba. São os melhores, sem dúvida.

—Você gosta de Abba? — perguntei.

De repente, houve silêncio na lagoa. Algo no meu tom de voz preocupou a rã.

Sua pele esverdeada pareceu que ganhava palidez e ela tentou recuar.

— Bem, talvez...

Não lhe deu tempo.


Texto integrante da revista bilíngue (português e espanhol) “Relatos Fantásticos”, vol. II. Para acessá-la na íntegra, clique aqui.

 

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