A MORTE PEDIU CARONA - Conto de Terror - Cleo Ferreira


 

A MORTE PEDIU CARONA

Cleo Ferreira

 

“Há um caminhão pequeno tombado e alguém preso nas ferragens. A coisa parece séria.  Mande o socorro com urgência”. O agente rodoviário terminou a mensagem e saiu da viatura; com certo espanto notou o estranho de aparência excêntrica e peculiar que observava, no outro lado do acostamento, o acidente. Não se lembrava de tê-lo visto por ali antes; pouco importava! Voltou sua atenção para o fluxo de automóveis.

 Luís saiu de casa pela manhã rumo à transportadora. Conversou com o chefe quando lá chegou e ficou sabendo que deveria levar uma pequena carga até o litoral. Tarefa tranquila, pensou. Apanhou o caminhão, saiu do pátio e procurou dirigir por ruas secundárias para fugir do trânsito pesado da manhã.

Já próximo à rodovia voltou ao tráfego lento e entrou numa avenida movimentada. Notou alguém fazendo o gesto característico com o polegar para pedir carona e resolveu apanhar o estranho, mesmo que aquilo contrariasse as normas expressas da empresa. O estranho sentou-se no banco ao lado dele e jogou uma mochila comum no chão da cabine. Teve a atenção despertada apenas por um desenho de tabuleiro de xadrez que havia nela. Embora a viagem transcorresse normalmente, Luís mantinha sob a mira do olhar o estranho. O carona contrariava as normas da empresa, seu cérebro martelava. Distraiu-se olhando para o desenho na mochila, que o fez lembrar-se de quando jogava partidas de dama com o pai.

Sentindo-se incomodado pelo mutismo do carona tentou entabular qualquer conversa. Ouviu de volta uma resposta estranha e que ele considerou desencontrada: “há uma cruz à direita da pista logo aí à frente”. Um arrepio incômodo percorreu seu corpo, mas respondeu: “muita gente morre atropelada por esse mundão de estradas, não?” O estranho concordou com um esgar que talvez lembrasse um sorriso e completou: “e poucos não se esquecem das tragédias”. Luís virou rápido para fitá-lo; e à cruz que ele mencionara. Mal teve tempo de perceber o gesto brusco do estranho em direção ao volante de seu caminhão.

Vários capotamentos após ele sentiu o baque surdo contra uma árvore, o mesmo que sentira quando atropelou alguém certa noite e não parou para prestar socorro.

Não podia se mexer. As dores horríveis eram um sinal de estragos fortes, ele sabia. Sentiu tudo escurecer em volta... Após a chegada dos paramédicos, o agente voltou a controlar o fluxo de automóveis

Intrigado, notou que o estranho permanecia do outro lado, junto ao acostamento. Por mera curiosidade atravessou para abordá-lo: “deseja algo?”. “Sim, a alma do motorista acidentado”.

 

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