HORRIBILÍSSIMA VINGANÇA - Conto Clássico de Horror- Padre Manuel Bernardes
HORRIBILÍSSIMA
VINGANÇA
Padre Manuel Bernardes
(1644 – 1710)
Certo
cidadão de Maiorca, que vivia com sua família no campo, açoitara rigorosamente
a um seu mouro, por não sei que desmancho, ou infidelidade nas cousas de casa;
donde recresceu em seu peito tão dura indignação, que se resolveu a buscar a
liberdade e vingança por um caminho sumamente bárbaro e execrável. Observada e
oferecida oportuna ocasião em que seu senhor estava ausente, amarrou com
fortíssimos cordéis a mãe de famílias, e três filhinhos seus, cada pessoa de
per si; e levou a todos à parte mais alta da casa, fechadas primeiro as portas
dela com toda a segurança; e ali, sem fazer caso das vozes, lágrimas e ameaças
da mulher, esperou ao seu patrão. Chegando, pois, este de fora, e achando as
portas fechadas, chamou pelo servo, e logo lhe começou a prometer castigo.
Apareceu ele lá de cima à janela, e com grande liberdade e desengano lhe disse:
—
Tu te agastas de tão pouco? Pois brevemente farei que até a vida te aborreça.
E
sem mais detença, precipitou, desde o alto da torre, a dois meninos, que,
caindo aos pés do pai, logo morreram; e pegou do terceiro para lhe fazer o
mesmo. Não sabia o desgraçado pai que conselho tomasse no repentino e grave de
tal sucesso[1]!
Arrombar as portas era lhe impossível; buscar naquele descampado quem o
ajudasse, não salvava do perigo, antes o fazia mais presente! Começou com rogos
e lagrimas a pedir- lhe perdão do passado, e jurou de lhe dar liberdade,
contanto que cessasse daquele furor; porém o mouro, que sobre ímpio era astuto,
e tinha bem estudada a tragédia, fingiu-se compadecia um pouco; e
ponderando-lhe que a raiva que tinha era só contra ele, a quem se pudera fazer
algum mal, sem dúvida nenhuma faria aos inocentes, veio enfim a capitular que se contentava com que ele seu patrão
cortasse os narizes, e com isto se daria por satisfeito, perdoando as outras
duas mortes que estava determinado a fazer. E quanto à promessa que lhe fazia
de liberdade, lhe declarou que o não fazia por amor dela; porque soubesse
decerto que já dantes tinha prevenido o modo certíssimo de a conseguir sem que
alguém pudesse impedi-lo. Enfim o
desgraçado homem, quase desatinado, se deixou enganar; e tirando um estojo, fez
o que o seu escravo lhe demanda, parecendo-lhe que esse defeito teria depois
algum artificial remédio; porém apenas assim o fez, quando viu cair do alto o
terceiro filhinho, juntamente com sua mãe, que logo morreram! Então foi o seu
clamor e raiva, o seu implorar a vozes auxílio ao céu e a terra, e o ameaçar
quantas atrocidades lhe cabiam na imaginação e língua. Disse- lhe o escravo com
um desengano mui assentado e seguro:
— Não te disse, já, que estava premeditado o
modo com que nenhum mal me podes fazer, nem tirar a liberdade? Pois olha...
E
dizendo isto despenhou-se também da torre, e rebentou nas mãos do demônio, que
foi o autor de toda esta funestíssima tragédia.
Ilustração: Diego Velázquez
(1599 – 1660).
muito bom ! Assinado, Roger
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