UMA TRAGÉDIA MUSICAL - Narrativa Clássica de Horror - Autor anônimo do séc. XIX


 

UMA TRAGÉDIA MUSICAL

Autor anônimo do séc. XIX

 

A história que se segue não é um conto de Edgar Poe ou Baudelaire. Pessoa chegada há pouco de Nova York assegurou à Liberté a autenticidade absoluta.

Há pouco mais de um mês, morava na Terceira Avenida, nº 25, um negociante por nome George Cunnings. Era um homem de gênio pacato e que jamais manifestara paixões violentas.

Três anos antes, tinha ele trazido da Suíça, para sua mulher, um presente que esta, jovem ainda, recebera com infantil alegria. Era uma poltrona musical, que tocava o Miserere do Trovador[1] quando alguém se sentava nela.

Nos primeiros três meses, Cunnings divertia-se muito com esta cadeira; mas, ao cabo de um ano, ganhou-lhe aversão, e somente a vivas instâncias de sua mulher desistiu do propósito de desfazer-se dela. Proibiu, porém, expressamente, que alguém se sentasse na poltrona.

A 15 de Setembro, Cunnings voltou para casa às 7 horas da tarde. Parecia contrariado e acolheu muito friamente as carícias da esposa. Às perguntas desta, respondeu que tinha tido desgostos naquele dia e afastou-a de si, com mau humor.

A pobre mulher foi cair na poltrona, que principiou a tocar imediatamente. Então Cuunings, tomado de súbita raiva, lança mão de uma machadinha que estava ao pé da lareira da sala, atira-se sobre a mulher, racha-lhe a cabeça, e com todas as forças pôs-se a amiudar, com mesmo instrumento, golpes sobre o encosto da cadeira, que continuava a tocar.

Não tardou a voltar-lhe a razão. Estacou. Então, tirou da cadeira o cadáver ensanguentado, sentou-se no lugar dele e, com um tiro de pistola, fez voar os seus próprios miolos.

Quando, atraídos pela detonação, os criados entraram na sala, a poltrona tocava as derradeiras notas do Miserere.

 

Fonte: Diário de São Paulo, edição de 5 de dezembro de 1871.

Fizeram-se brevíssimas adaptações textuais.



[1] Ópera de Giuseppe Verdi.

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