A JOVEM VAMPIRA - Conto Clássico de Terror - Hume Nisbet
A JOVEM VAMPIRA
Hume Nisbet
(1849-1923)
Era
exatamente o tipo de residência que eu vinha aguardando há semanas, pois
encontrava-me naquele estado de espírito em que a renúncia absoluta à sociedade
era uma necessidade. Estava desconfiado de mim mesmo e cansado de minha
espécie; uma estranha inquietação imperava em meu sangue, como um vazio estéril
em meu cérebro. Objetos e rostos familiares tornaram-se desagradáveis para mim.
Queria estar sozinho.
Este
é o estado de espírito que surge quando ficamos sobrecarregados de ocupações.
Então, é preciso sair em busca de novas pastagens. O sinal de que a retirada se
faz-se necessária. Se não cedemos, desmoronamos e nos tornamos caprichosos e
hipocondríacos, e, bem assim, hipercríticos. Antes de chegar a tal ponto, fiz
as malas às pressas, peguei o trem para Westmorland e comecei minha
peregrinação em busca de solidão e de um ambiente romântico.
Encontrei
muitos lugares que, no início do verão errante, pareciam reunir as condições
adequadas; no entanto, alguns pequenos inconvenientes impediram-me de tomar uma
decisão. Às vezes, era a paisagem que não via com bons olhos. Noutros, eram as próprias
pessoas. Finalmente, o destino me levou até a Casa no Moro, e ninguém pode
resistir ao próprio destino. Um dia, encontrei-me num terreno baldio, sem estradas
e próximo à costa. Dormira na noite anterior numa pequena aldeia, a oito milhas
de distância. Agora eu estava distante de qualquer resquício da humanidade, com
um céu logo acima de minha cabeça e o vento cálido soprando sobre as pedras e
os túmulos.
Até
onde se estendia aquele páramo, eu não sabia. Eu tinha apenas conhecimento que,
caminhando em linha reta, chegaria às falésias oceânicas e, talvez, depois de
algum tempo, a alguma vila de pescadores. Eu era jovem e não temia uma noite
sob as estrelas. Então, sorvi o delicioso ar estival e logo recuperei o vigor e
a felicidade que havia perdido. As horas deslizaram comigo. Já havia percorrido
cerca de quinze milhas, desde manhã, quando avistei, ao longe, uma solitária
casa de pedra.
—
Vou acampar ali, se possível — disse a mim mesmo.
Para
alguém que procura uma vida tranquila, nada mais adequado do que aquela casa de
campo. Ficava à beira de altas falésias, com a porta da frente voltada para
campo deserto e a parede de trás para mar. O som das ondas dançantes atingia
meus ouvidos como uma canção de ninar. Logo o céu trovejou, os ventos se
agitaram e as aves marinhas fugiram, aos gritos, para os seus abrigos. A casa
tinha um pequeno jardim na frente, cercado por um muro de pedra, alto o
bastante a proporcionar um descanso indolente em caso de tempestade. Aquele
jardim era como uma chama escarlate, com os suaves matizes de papoulas em plena
floração. Enquanto eu me aproximava, vislumbrando singular variedade de
papoulas e as janelas assiduamente limpas, a porta da frente se abriu e
apareceu uma mulher, que me impressionou favoravelmente, à medida que se
aproximava para dar-me as boas-vindas.
Ela
era uma mulher de meia-idade e, quando jovem, deveria ter sido muito bonita.
Ela alta e bem constituída, com uma pele clara e suave, de traços regulares e
com uma expressão calma a me conferir uma enorme paz. Às minhas perguntas, respondeu
que me poderia ceder um quarto e me convidou para ver o interior. Ao admirar
seus cabelos pretos e lisos, seu olhos castanhos e frios, senti que não iria
ser muito requintado em minha avaliação do alojamento. Com uma senhoria assim,
eu estava certo de que encontrara o que procurava.
Os
quartos superaram minhas expectativas: delicadas cortinas brancas e roupas de
cama perfumadas com lavanda, uma sala de estar familiar aconchegante e vazia.
Ela era viúva e tinha uma filha, que não pude ver no primeiro dia, porque
estava doente e confinada em seu quarto. No dia seguinte, porém, já recuperada
a dama, eu a conheci. A comida, malgrado simples, convinha-me justamente por
outros motivos: delicioso leite e manteiga caseira, ovos caipiras e toucinho
fresco. Depois de um chá delicioso, fui para a cama num estado de perfeita
felicidade.
Porém,
feliz e cansado como estava, não desfrutei de uma noite confortável. Talvez
estranhasse a cama. Sem dúvida que dormi, mas meu descanso esteve repleto de
sonhos inquietantes. A acordei tarde, com a sensação de não haver dormido. No
entanto, uma boa caminhada pelo páramo restaurou meu ânimo e voltei com bom
apetite para o café da manhã. Como Shakespeare demonstrou em Romeu e Julieta,
certas condições mentais, com circunstâncias agravantes, são necessárias mesmo
antes que um jovem possa cair de amores à primeira vista. Na cidade, nenhuma
dama me impressionara, mas logo sucumbi aos raros encantos da filha de minha anfitriã,
Ariadne Brunnell.
Sentia-se
ela um pouco melhor naquela manhã. Ariadne não era bela no sentido estritamente
clássico: a sua tez era demasiado lívida, mas a sua expressão era bastante
agradável à primeira vista. Mas, como a sua mãe me havia dito, ela estava
doente há algum tempo, o que agravava os seus defeitos. Suas feições não eram
regulares, seus cabelos e olhos pareciam imensamente negros, e seus lábios eram
rubros como sangue. Talvez tenham sido os meus sonhos fantásticos da noite
anterior, seguidos de uma caminhada matinal, que me prepararam a ser cativado
por aquela curiosa beleza.
A
solidão do páramo, com o canto do mar, apoderara-se do meu coração com uma
saudade melancólica. A incongruência das vistoras e evanescentes flores de
papoula, lançando os tons vertiginosos na face daqueles sóbrios páramos, tocou-me
quando me aproximei da casa, e, por fim, aquela estranha personificação de
surpreendentes contrastes ultimou a minha subjugação.
Ela
se levantou da cadeira enquanto a sua mãe me a apresentava, e sorriu enquanto
me estendia a mão. Senti aquele floco de neve macio e, ao fazê-lo, um ligeiro
estremecimento percorreu-me e agitou-se em meu coração, silenciando
momentaneamente as suas batidas. O contato também pareceu tê-la afetado, pois
uma chama branca iluminou o seu rosto, fazendo-o brilhar como uma lâmpada de
alabastro. Seus olhos negros fizeram-se delicados e úmidos quando nossos
olhares se cruzaram, e o escarlate de seus lábios suavizou-se. Ela agora era
uma mulher viva; antes, parecia-me a imagem de um cadáver.
Permitiu
que sua delgada mão continuasse entre as minhas e, então, a retirou lentamente.
Seus olhos eram aveludados e insondáveis e, antes de serem retirados dos meus,
pareciam ter absorvido toda a minha força de vontade. Esse olhar me tornou seu
abjeto escravo. Vê-la era como contemplar uma profunda escuridão. Isso me
encheu de fogo e me roubou as forças; e afundei naquele olhar quase tão
languidamente quanto me levantara naquela manhã. Quando ela voltou seu olhar
para outro lugar, um leve brilho apareceu em suas faces antes níveas. Ela até
parecia mais jovem, ainda mais bela.
Eu
havia chegado em busca de solidão, mas, ao conhecê-la, acreditei que estava ali
somente por Ariadne. Ela não estava muito animada e, de fato, mirando o
passado, não consigo me recordar de nenhuma observação espontânea sua. Ela
respondia às minhas perguntas com monossílabos. Ela era insinuante em seu
silêncio e parecia levar constantemente meus pensamentos até ela. Sei apenas
que, só de vê-la, de tocá-la, ficara enfeitiçado e somente nela concentravam-se
os meus pensamentos.
Suas
palavras eram breves, elusivas e devoraram meu entusiasmo. Nela eu orbitava o
dia todo, como um cão, e, à noite, sonhava com aquele rosto resplandecente; sonhava
com aqueles olhos negros e firmes, com aqueles lábios úmidos e escarlates, e
todas as manhãs acordava mais lânguido do que se sentira no dia anterior. Às
vezes, eu sonhava que ela me beijava, estremecendo ao toque de seus cabelos
negros e sedosos, que cobriam minha garganta; outras vezes, sonhava que
estávamos flutuando no ar, com seus braços em volta de mim e seus longos
cabelos me envolvendo como uma nuvem de tinta, enquanto eu jazia indefeso.
Ela
me acompanhou até os campos desolados depois do desjejum. Antes de voltarmos,
falei-lhe sobre meu amor e ela o aprovou. Eu a segurei em meus braços e a
beijei. Não me surpreendeu que tudo tenha acontecido tão rapidamente. Ela era
minha; ou melhor, eu era dela. Balbuciei que fora o destino que me enviara,
porque eu não tinha dúvidas de que meu amor era sincero. Ela disse simplesmente
que eu a trouxera de volta à vida. Atendendo ao desejo de Ariadne, participamos
à sua mãe a rapidez com que as coisas tinham progredido entre nós; todavia, não
tive dúvidas de que a Sra. Brunnell percebeu o quão absorto eu estava pela sua
filha.
Os
amantes não se distinguem dos avestruzes em seus modos de ocultação. Não tinha
medo de pedir a mão de Ariadne. A Sra. Brunnell já havia demonstrado sua
parcialidade para comigo, confidenciando-me algo derredor de sua posição na
vida. Eu sabia, pois, que nenhuma diferença social poderia obstar o nosso
casamento. Elas viviam neste lugar solitário pelo estado de saúde de Ariadne.
Minha chegada não poderia ter sido mais oportuna.
Por
uma questão de decoro, porém, decidi adiar minha confissão por uma semana ou
duas, esperando a oportunidade para, discretamente, fazê-lo. Enquanto isso, Ariadne
e eu passávamos juntos o nosso tempo livre. Todas as noites eu me retirava para
a cama pensando em começar a trabalhar no dia seguinte, e todas as manhãs
acordava lânguido de sonhos perturbadores, sem pensar em nada além do meu amor.
A cada dia, ela fortalecia, enquanto eu parecia estar tomando o seu lugar como
o enfermo daquela casa.
Nunca
nos afastávamos demasiadamente em nossas caminhadas. Deitávamo-nos nos campos a
escutar as ondas distantes. O amor me deixara preguiçoso — pensei —, porque, se
um homem tem ao seu lado tudo o que deseja, tende a imitar os hábitos de um
gato doméstico. Mas minha desilusão foi rápida, embora tenha passado muito
tempo até que o veneno deixasse meu sangue.
Certa
noite, cerca de duas semanas após à minha chegada, eu havia retornado de um
delicioso passeio ao luar com Ariadne. A noite estava quente e a Lua alta. Abri
a janela do quarto para renovar o ar um pouco. Eu estava mais exausto do que de
costume. Só tive forças para tirar as botas e o casaco antes de desmoronar na
cama. Tive um sonho horrível naquela noite. Pensei ter visto um morcego
monstruoso, com o rosto e os cabelos de Ariadne, e um bater de asas na janela
aberta. Algo dotado de dentes brancos e lábios escarlates se acercaram de mim.
Esforcei-me por superar o horror, mas não consegui; na verdade, eu parecia
estar acorrentado ao terror. E o ente monstruoso, sedando-me com o deleite do
sono, sugou meu sangue num êxtase lascivo e abominável.
Olhei
e vi em meus sonhos uma fila de cadáveres de homens jovens no chão, cada um com
uma marca vermelha nos braços, na mesma área onde o vampiro me mordia,
exatamente onde uma marca havia surgido nos últimos quinze dias. Num instante,
compreendi a razão da minha estranha fraqueza e, naquele mesmo instante, uma
súbita pontada de dor despertou-me do meu prazer onírico.
Em
seu ímpeto de sede, o vampiro me mordera profundamente naquela noite, embora
não soubesse que eu não havia provado minha bebida, evidentemente narcotizada.
Ao despertar vi, plenamente revelados, ao luar da meia-noite, uma cabeleira
negra fluindo livremente e uns lábios vermelhos incrustrados em meu braço.
Com
um grito de horror, arranquei-a de minha pele, obtendo uma última mirada dos
olhos encravados naquela selvagem e brilhante face pálida. E vi os seus lábios
manchados de sangue. Então, corri noite adentro, movido pelo medo e pelo ódio.
Não parei, em minha louca fuga, até que se intercalassem muitas milhas de
distância entre mim e aquela maldita casa do páramo.
Versão em português de
Paulo Soriano.
esse vou ler hoje à noite, pelo navegador do smartphone, antes de dormir.
ResponderExcluirBarão amigo, que contaço ! Isso é uma obra de arte! Nada como uma manhã ensolarada e céu azul para ler alguns contos aqui, tomando umas latinhas de cerveja bem gelada...
ResponderExcluirdesde ontem à noite tou relendo este conto várias vezes. Realmente Barão amigo, este conto é do tipo que eu gosto. Sensacional, cara! Show de bola!
ResponderExcluirMuito bom, mesmo!!!!
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