O PRESENTE DA CORUJA - Conto de Terror - Jeferson Garcia de Araújo
O PESENTE DA
CORUJA
Jeferson Garcia de Araújo
Desesperada,
a enfermeira empurrou a porta do consultório com tamanha força que uma trinca
na frágil parede se formou. O médico, despreocupado em sua visita noturna à
mansão de Hipnos, foi abruptamente despertado pelo estrondo. Ele saltou de sua
cadeira e pôs-se de pé imediatamente.
—
Doutor! — ela gritou, ofegante — um paciente está causando um alvoroço na ala
cinquenta e dois.
Antes
que outra informação pudesse penetrar seus ouvidos, o médico avançou para fora
da sala.
—
Alguns enfermeiros estão tentando contê-lo, mas outros pacientes estão em
pânico e fora de controle. Está tudo uma bagunça! — A enfermeira tentava
acompanhar os passos apressados do homem.
Ele
não precisava olhar as sinalizações das salas. Aqueles corredores eram tão
familiares quanto a casa onde vivera desde a infância, desde que sua mãe o
abandonara, deixando-o apenas com seu pai. Seu pai o empurrara para a carreira
médica, e assim ele acabou nesse hospital.
A
poucos passos da ala em questão, rastros de caos já se manifestavam.
Enfermeiros perseguindo pacientes em desespero, vidro estilhaçado formando
poças diante das portas com janelas quebradas. A cena lhe provocou um nó no
estômago.
Chegando
à origem do tumulto, Mário e a enfermeira encontraram um cenário que parecia
ter sido devastado por um furacão. Leitos revirados, um cobertor rodopiando no
ventilador de teto e um armário arrastado até o centro da sala, no topo do qual
estava o causador de toda essa confusão.
—
Isso é incrível! — exclamou o paciente. Sua voz soava estrangulada, como se
alguém o estivesse sufocando. Lentamente, ergueu os braços, segurando um objeto
intrigante do tamanho de uma bola de bilhar, escuro como o número oito, mas com
formato cuboidal. — Nem mesmo meus pais me deram algo tão precioso. Nem minha
esposa ou filhos, esses ingratos que me colocaram aqui com esses loucos
irritantes.
Ele
soltou uma risada que ecoou pelo corredor e por pouco não caiu, assustando os
presentes.
—
O que devemos fazer? — a enfermeira sussurrou no ouvido do médico, mas não
obteve resposta. Ele estava boquiaberto demais para prestar atenção.
Mário
não tinha paixão pela medicina, e seu estômago revirava só com o cheiro de
sangue. A psiquiatria havia sido sua fuga desse problema, mas agora ele se
arrependeu amargamente da sua escolha.
—
Com licença, Senhor — disse o médico, reunindo coragem para agir. Sua voz ainda
soava trêmula, mas ele chamou mais duas vezes até chamar a atenção do paciente,
elevando o tom.
—
Doutor? Eu mal notei sua chegada. Veio trocar uma ideia como sempre?
O
armário tremeu, e o objeto quase caiu. Os funcionários indicaram ao médico que
ele deveria concordar.
Mário
respirou fundo e, apesar de suas pernas parecerem chumbo, aproximou-se
cautelosamente.
—
Veja, doutor. Sabe o que é isso? — O paciente apontou para o objeto — Ganhei
isso de uma visita bastante especial.
—
De quem?
O
paciente abriu apenas um de seus olhos, encarando Mário por um momento antes de
explodir em gargalhadas que quase o fizeram cair.
—
Eu posso lhe contar… se prometer guardar segredo.
O
médico concordou, embora acreditasse que ouviria palavras sem sentido.
Precisava ganhar tempo para pensar em uma maneira de resolver aquela situação.
—
Na madrugada, acordei com vontade de urinar, mas esses incompetentes fingiram
não ouvir meu chamado. Não tive escolha senão fazer minhas necessidades no
canto da parede. Foi quando fui atingido por um clarão. Virei-me e vi uma
coruja branca deslumbrante do outro lado da janela. Sua luz emanava de suas
penas, e eu a admirei sem que meus olhos sofressem. Ela falou comigo.
—
Você... conversou com a coruja? — Mário perguntou cético.
—
Sim, claro. Conversamos sobre muitas coisas. Ela me contou que veio de um lugar
próximo e distante, um mundo complexo demais para nossa mente compreender. Não
nessa época.
O
paciente pareceu perder o fio da conversa por um momento, então,
repentinamente, agiu.
—
Você está ouvindo? — ele cobriu os ouvidos com as mãos — ela voltou. Ela está
me esperando. Vou ativá-la agora, e então poderemos partir juntos.
Ele
levantou o objeto sobre a cabeça e começou a recitar palavras em um idioma
desconhecido, depois torceu o pescoço de maneira similar a uma coruja.
—
Está pronto, doutor? — ele gritou segundos antes de se lançar sobre o médico.
Infelizmente,
seu corpo caiu sobre Mário.
Durante
a madrugada, Mário se encontrou em um leito de hospital.
—
Ainda bem que o senhor acordou — disse a enfermeira.
Sua
cabeça latejava, e as lembranças da noite anterior eram turvas, como se
estivessem escondidas por uma névoa densa.
—
E o paciente… — a enfermeira fez uma pausa. — ele... quebrou o pescoço. Morreu
instantaneamente.
Mário
piscou várias vezes, tentando trazer clareza às suas memórias confusas. A
enfermeira observava-o com preocupação enquanto ele tentava juntar as peças da
noite anterior.
—
Que noite estranha… — murmurou Mário, ainda atordoado. — o que aconteceu com
aquele objeto que o paciente segurava?
A
enfermeira suspirou, visivelmente perturbada com a lembrança.
—
Logo após o incidente, o objeto desapareceu. Ninguém sabe para onde foi parar.
Parecia ter se dissolvido no ar. A cena toda foi... bizarra.
Mário
ponderou por um momento, tentando entender o que havia acontecido. Parecia
impossível que um objeto pudesse simplesmente desaparecer assim. Seria uma
ilusão? Ou algo sobrenatural?
—
Você sabe mais alguma coisa sobre o paciente? — Mário perguntou à enfermeira.
Ela
hesitou por um momento antes de responder.
—
Na verdade, não sabemos muito sobre ele. Ele chegou aqui há alguns meses, com
amnésia. Não temos registros de sua identidade ou antecedentes. Ele foi
internado como um homem sem passado.
Mário
não fez mais perguntas. A enfermeira saiu do quarto, e o médico tentou
desesperadamente voltar a dormir, mas o sono não vinha. Sua mente estava
atormentada pelos eventos da noite anterior, pelo objeto misterioso, pelas
palavras do paciente e por tudo o que havia acontecido.
Enquanto
ele estava deitado, naquela semiescuridão entre a vigília e o sono, uma luz
intensa invadiu seu quarto. Uma luz brilhante e ofuscante que fez seus olhos
arderem. Mário tentou cobrir os olhos com as mãos, mas a luz parecia penetrar
através delas, como se estivesse dentro dele, queimando sua alma. Ele se sentiu
suspenso, incapaz de se mover, de gritar ou de fazer qualquer coisa.
E
então, em meio à cegante claridade, ele ouviu o som familiar do canto de uma
coruja. Era um som estranho e hipnótico, um som que parecia ecoar diretamente
em sua mente, como se a própria coruja estivesse dentro de seus pensamentos,
sussurrando segredos cósmicos.
Na
manhã seguinte, a enfermeira retornou ao quarto de Mário, com um nó de
preocupação em seu estômago. Mas, para a sua surpresa e horror, tudo o que
encontrou foi uma cama vazia. O médico tinha desaparecido, como se nunca
tivesse estado ali.
Espetacular! Fiquei muito intrigado sobre essa coruja e o misticismo por trás dela.
ResponderExcluirQue narrativa envolvente! Adorei a forma como o suspense psicológico e o mistério sobrenatural se entrelaçam na história. A construção do cenário, com os corredores caóticos e o paciente enigmático, é muito visual e cativante. A cena final, com a luz ofuscante e o som da coruja, traz um clima quase Lovecraftiano, deixando uma sensação de inquietação e fascínio.
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