O FANTASMA DO MOSTEIRO - Conto Pseudossobrenatural - Daniel Deföe
O FANTASMA DO
MOSTEIRO
Daniel Deföe
(1660 – 1731)
Tradução de Paulo Soriano
A
noção de que os espíritos aparecem para revelar onde algum dinheiro foi
enterrado, orientando as pessoas a escavá-lo, tem prevalecido tão
universalmente entre as mulheres — e eu poderia dizer até mesmo entre toda a
humanidade —, que é impossível tirá-la da cabeça das pessoas. E se vissem algo
que chamam de aparição, a seguiriam sempre, na esperança de ouvi-la
bater no chão com um pé, e depois desaparecer; e se isso realmente acontecesse,
as pessoas não deixariam de cavar até o centro da Terra, se pudessem, na
esperança de encontrar um pote de dinheiro ali escondido, ou alguma velha urna
com cinzas e medalhas romanas; ou, em suma, algum tesouro considerável.
Um
cavalheiro rural tinha uma casa antiga, que era o que restava de um antigo
mosteiro — ou casa de religiosos — arruinado, e resolveu demoli-la. Considerou,
contudo, que as despesas altas demais para que pudesse custeá-las. Pensou,
então, em um estratagema: propalar que a casa era mal-assombrada. E o fez de
maneira tão ardilosa que logo as pessoas deram crédito ao alarde.
Assim,
o senhor fez um comparsa envolver-se em branco lençol e passar rapidamente pelo
pátio interno da casa, e justamente quando ele havia, de antemão, disposto
algumas pessoas à janela, justamente para que vissem no pátio a manifestação
fantasmagórica.
Os
convivas cuidaram de avisar aos donos de que ali havia uma aparição. Não apenas
estes, mas toda a família, foram chamados à janela, onde — embora estivesse tão
escuro que ninguém conseguiria distinguir verdadeiramente o que seria aquilo —,
vislumbraram claramente a entidade, de branco, atravessar o pátio e penetrar no
antigo prédio por uma de suas portas.
Prontamente,
percebeu-se um ígneo clarão no antigo prédio, mas sem que se soubesse que se
tratava aquilo de uma farsa preparada pelo comparsa do cavalheiro, com o
emprego de enxofre e outros materiais, de molde a exalar um cheiro sulforoso,
abafando o olor da pólvora.
Como
o cavalheiro esperava, o estratagema começou funcionar. Ofertou-se, a algumas
pessoas fantasiosas, que souberam do fenômenos e desejavam ver a aparição, a
oportunidade de satisfazerem àquela vontade, e vislumbrarem o espectro, tal
qual costumeiramente se exibia.
As
frequentes rondas fantasmagóricas ocorriam numa parte da casa onde o “espírito”
tinha oportunidade de, por uma porta, evadir-se para um pátio e, assim, penetrar
na ala habitada; e, quando partia naquela direção, batia vigorosamente com o pé
e imediatamente desaparecia.
Em
sequência, propalou-se que ali havia dinheiro escondido, e o cavalheiro revelou
que iria escavar o solo para recuperá-lo, ciente de que haveria muita gente
ansiosa para fazê-lo.
No
entanto, cavalheiro naquilo parecia pouco empenhado.
Ainda
assim, o espectro era visto indo e vindo, andando de um lado para o outro,
quase todas as noites, e normalmente desaparecia num clarão de fogo, o que, em
uma palavra, era deveras extraordinário.
Por
fim, alguns dos habitantes da aldeia vizinha, percebendo que o cavalheiro
começava a menosprezar ou negligenciar a aparição, disseram que, se o senhor lhes
desse licença, escavariam o lugar, pois com certeza havia ali tesouro escondido
e poderia ser encontrado e partilhado. Disseram que escavariam em busca do
tesouro até encontrá-lo, ainda que tivessem que demolir inteira a antiga casa.
O
cavalheiro respondeu que não era justo que eles demolissem sua casa e levassem
tudo o que encontrassem. A plena anuência seria, pois, muito difícil; mas
consentiria com a escavação, desde que eles levassem todo o entulho, e todos os
materiais que demolissem, e empilhassem os tijolos e a madeira no quintal junto
à casa. E, finalmente, condicionou a permissão para escavar a que se
contentassem com a metade que encontrassem.
Concordando
com aqueles termos, pusera-se aquela gente a trabalhar.
O
já conhecido espírito — ou aparição — indicou um certo lugar, e a primeira
coisa que demoliram foi uma grande chaminé, o que lhes cobrou um trabalho
intenso.
Mas
o cavalheiro, com o intuito de encorajá-los, escondera, secretamente, vinte e
sete moedas de ouro velho num buraco na chaminé, que não tinha entrada senão
por uma passagem, a qual tapara com tijolos. Quando acharam as moedas, os
obreiros estavam perfeitamente iludidos e fora de si. Ora, o cavalheiro estava próximo,
mas não exatamente no local, quando as moedas foram encontradas; sendo chamado,
prodigamente deu-as todas; mas estabeleceu a condição de que não esperassem a
mesma generosidade se encontrassem outras mais.
Em
síntese, essa isca fez com que os camponeses trabalhassem como cavalos, e mais
se unissem no empenho. Contudo, o que os encorajou mais ainda foi que eles
realmente encontraram várias coisas de valor ao demolir a casa, que talvez
estivessem escondidas desde o tempo em que decaiu como a casa da congregação
religiosa. Algumas outras moedas foram encontradas. Mas a contínua expectativa
e a esperança de encontrarem ainda mais animaram os companheiros que, em suma,
demoliram a casa inteira. Arrancaram tudo pela raiz, pois derruíram os próprios
alicerces, que era exatamente o que o cavalheiro desejava, e que lhe custaria
os olhos da cara.
Também
não deixaram ali escombro algum. Conforme o acordado, levaram os embora os
resíduos e colocaram a madeira e os tijolos velhos num pátio adjacente, tal
como o senhor lhes tinha ordenado, e tudo foi ordenadamente acondicionado.
Tão
violenta foi a persuasão de que dinheiro estava ali escondido (após aquela aparição
imaginária deambulando pela casa), que nada poderia impedir a ânsia do povo do
campo em lançar-se àquela faina, como se as almas das velhas freiras ou frades
— ou quem quer que fossem, que teriam escondido algum tesouro, supondo-se havia
algum tesouro escondido — não pudessem descansar, como foi dito em outros
casos, ou pudessem, de alguma forma, estar preocupadas em que fosse encontrado, depois de tanto tempo,
pois já tinha aquela construção quase duzentos anos.
Ilustração: PS/Copilot.
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