O SUPLÍCIO DE BLANCHE MONNIER - Narrativa Verídica de Horror - Anônimo do séc. XIX
O SUPLÍCIO DE BLANCHE MONNIER
Anônimo do séc. XIX
De uma crônica de Paris extraímos o que se vai ler:
“A imprensa está cheia de horrorosos detalhes sobre a reclusão, num cárcere privado durante trinta e cinco anos, da Srta. Blanche Monnier, em Poitiers, na rua da Visitation n. 23, 2º andar.
A denúncia chegou às mãos da polícia em carta anônima e o comissário central se dirigiu à residência de madame Monnier, velha quase milionária e de uma avareza inqualificável.
A Sra. Monier não lhe quis abrir a porta e a autoridade entendeu-se com o Sr. Monnier, irmão da vítima, homem de importância, rico doutor em Direito, muito chegado à igreja e ex-subprefeito do departamento.
Em companhia do filho de madame Monnier, o representante da lei penetrou no lugar em que tinham encerrado a Srta. Blanche, hoje de 54 anos1 de idade, num pequeno quarto no pátio interno da casa.
A escuridão era completa: a janela no alto, única abertura que havia na parede, excetuando a porta, era trancada a pregos. Num pedaço de encerado repousava um ser humano, procurando esconder-se embaixo de negras coberturas, a soltar lamentos inarticulados.
A infeliz estava inteiramente nua, suja a provocar náusea e parecia um esqueleto: as coxas da grossura do pulso de uma pessoa de corpo regular, os braços da grossura da parte superior de uma garrafa comum, os dedos do diâmetro de um lápis e as unhas de tamanho desmesurado. Os cabelos formavam um emaranhado indescritível, cheio de vermes infectos.
A senhorita Blanche estava em cima de uma espécie de crosta de excrementos, restos de comida acumulados durante anos e anos, em podridão que não se imagina.
Ratos e toda a sorte de animais nojentos viviam no meio dessas imundícies de cloaca2.
A desgraçada, por ordem do procurador da república, foi imediatamente conduzida para o hospital, onde ainda se acha. A denúncia que a polícia recebeu partiu do marido de uma das novas criadas da viúva Monnier, a mais cruel das mães sem coração.
No mesmo dia, a senhora Monnier e o filho deram entrada na cadeia de Poitiers. A senhora Monnier tem 75 anos de idade, é viúva de um antigo diretor da faculdade de letras e, logo após a morte do marido, ninguém sabe se por interesse de herança ou se por outra causa, resolveu o hediondo sequestro, agora conhecido.
Mademoiselle Blanche, sob o império de um terror profundo, quase não falava: agora, porém, já pronuncia algumas palavras e há esperanças de salva-lhe a razão abatida.
Reconheceu o Sr. Fouchard, um amigo de sua família, e várias experiências médicas demonstraram que ela não está ainda louca.
A viúva Monnier, rica de perto de um milhão de francos, passa os dias na cadeia a quebrar nozes, a fim de ganhar 50 ou 70 cêntimos que, por esse trabalho, um fabricante de óleos paga a todos os presos, e o filho, o hipócrita Sr. Monnier, não tira o rosário das mãos.
O povo, amotinado, quis fazer justiça pronta aos dois miseráveis e a polícia tem de cercá-los de todas as garantias.
— Por que assistiu impassível a semelhante monstruosidade? — perguntou ao Sr. Monnier o Sr. Frerot, procurador da república, e o Sr. Monnier respondeu-lhe, no tom untuoso de sua voz santarrona:
—Minha mãe é livre; nada tenho com isto… Não podia intervir em favor de minha irmã contra a vontade de minha mãe…
O processo vai em marcha e dizem que as maiores influências de Poitiers trabalharam para a vitória da inocência do Sr. Monnier, acusado, também, de ter conseguido há tempos um prêmio de virtude para uma das criadas da Sra. Monnier, a própria carcereira da Srta. Blanche.”3
*
“A viúva Monnier, mãe crudelíssima da infeliz Blanche Monnier, a sequestrada do Goitiera, morreu na prisão em consequência de um reumatismo cardíaco, que os derradeiros acontecimentos agravaram.
O padre, que fora chamado ao pé do seu leito, disse, ao terminar o piedoso encargo:
—Morreu como uma santa, ora uma pobre mártir…
As pessoas, que ouviram tão estranhas palavras, atiraram-se contra o padre, no furor da indignação, e, sem dúvida, o maltratariam muito, se o advogado da defunta, o Sr. Morine, não tivesse corrido em sua defesa.
Quando o cadáver saiu da prisão, assobios e injúrias romperam do meio do povo e não houve uma pessoa que se descobrisse à passagem do ataúde.
A polícia tomou providências e não consentiu que ninguém entrasse no cemitério.
Em todo o percurso, a algazarra desrespeitosa não teve um instante de calma.
Blanche Monnier recebeu a participação da morte de sua desnaturada mãe sem a menor surpresa.
— Quero comer — disse ela à irmã superiora do hospital Diou, ao ouvir a fúnebre noticia.
Depois de vinte e cinco anos de fome, num cubículo sem ar e sem luz, coberta de vermes, nua em cima de todas as porcarias, reduzida a um esqueleto hediondo e nojento, a filha da velha Monnier não podia ter lágrimas para chorar a morte do seu implacável carrasco.
A razão ainda não aclara a existência da mísera Blanche, mas o Dr. Chretien, médico do hospital, e o caridoso padre de Moudien estão muito animados com as melhoras físicas que se acentuam todos os dias. O seu peso aumentou: ao entrar no hospital, pesava 25 quilos e 400 gramas e, numa semana, o aumento subiu em um quilo e meio.
Absorve com rapidez e voracidade incríveis a comida que o Dr. Chiotien lhe permite, deixando os pratos sempre limpos.”
Fonte: Pacotilha/MA, edições de 16 e 17 de julho de 1901.
Notas:
1Na verdade, 52 anos. A descoberta policial se deu em 23 de maio de 1901. Dizia-se que motivou o cárcere privado de Blanche um caso de amor entre ela e um advogado republicano, Victor Calmeil. A família de Blanche, monarquista, não teria admitido o namoro. Blanche faleceu em 1913, aos 64 anos.
2Um policial assim descreveu o estado de Balnche, quando encontrada em sua cama: “A infeliz mulher estava deitada, inteiramente nua, num colchão de palha podre. Ao redor dela, formava-se uma espécie de crosta feita de excrementos, fragmentos de carne, vegetais, peixe e pão podres. Via-se, também, conchas de caramujos e insetos correndo pela cama da senhorita Monnier. O ar era tão irrespirável, o odor exalado pelo quarto era tão forte, que nos era impossível permanecer por um tempo mais longo e prosseguir as nossas investigações”.
3O irmão de Blanche, Marcel, foi absolvido, após recurso.
Muito triste! Como uma
ResponderExcluirmãe, em qualquer época, pode ser capaz de algo tão terrível!?