A TRANSFORMAÇÃO - Conto Clásssico Sobrenatural - Pu Songling
A TRANSFORMAÇÃO
Pu Songling
(1640 – 1715)
Um certo monge — cuja origem nunca se descobriu — vivia em Ji'nan e ia todos os dias para a rua do Hibisco e ao Lago Brilhante, no bairro de entretenimento, situado na parte noroeste da cidade.
Lá, descalço e usando um hábito puído e remendado, ele frequentava os vários restaurantes e casas de chá, entoando sutras e pedindo esmolas aonde quer que fosse. Ele recusava ofertas de qualquer tipo — vinho, comida, dinheiro ou grãos — e quando lhe perguntavam do que ele precisava, não respondia. Nunca o viram comendo ou bebendo alguma coisa.
— Reverendo mestre — aconselharam-no educadamente —, já que você não come carne e não bebe vinho, não seria melhor pedir esmolas em alguma estrada solitária, em uma aldeia na montanha, em vez de vir aqui todos os dias e suportar o mau cheiro e os ruídos da cidade?
O monge continuou seu canto imperturbável, com as mãos cruzadas e os longos cílios imóveis, como se nada tivesse ouvido.
Um pouco mais tarde, deram-lhe novamente o mesmo conselho. Desta vez, o monge encarou o seu interlocutor, dizendo-lhe:
—Esta — vociferou — é a transformação que estou procurando.
Ele continuou entoando o seu cântico e, finalmente, seguiu seu caminho.
Um homem o seguiu, procurando saber que "transformação" seria aquela e porque o monge estava tão empenhado em encontrá-la. Ao seu questionamento, o monge nada respondeu, e continuou o seu caminho.
Quando o homem insistiu, ele berrou:
—Você não pode saber de nada! Esta é minha transformação. Isto é o que procuro.
Vários dias depois, o monge foi visto fora das muralhas ao Sul da cidade, deitado e enrolado ao lado da estrada, rígido como um cadáver. Ele permaneceu imóvel por três dias. A população local, com medo de que ele morresse de fome e que fossem responsabilizados por isto, instaram-no a seguir em frente, prometendo-lhe qualquer comida ou dinheiro de que precisasse.
O monge não disse nada e se recusou até a abrir os olhos. Então as pessoas começaram a sacudi-lo e repreendê-lo. O monge ficou cada vez mais furioso, até que, finalmente, tirando uma pequena faca de dentro do hábito, abriu o próprio ventre. Então, com uma das mãos, arrancou as entranhas e se pôs a colocá-las na beira da estrada. Depois, expirou.
Os habitantes locais ficaram horrorizados. Informaram ao prefeito o acontecido e deram ao cadáver um enterro apressado.
Algum tempo depois, um cão desenterrou a cova rasa e expôs o tapete de orações em que o monge havia sido enrolado quando o sepultaram. Parecia oco e, quando o examinaram mais de perto, descobriram que ainda estava tão bem selado como quando do enterro. Dentro, porém, estava tão vazio como um casulo.
Versão em português de Paulo Soriano a partir da tradução inglesa de Hebert Giles (1845 – 1935).
Comentários
Postar um comentário