UM NAUFRÁGIO - Conto Clássico de Horror - L. L. G. Pinheiro Júnior

UM NAUFRÁGIO

L. L. G. Pinheiro Júnior

(Séc. XIX)


Era noite.

Um navio estrangeiro, aproveitando o claro luar e o vento favorável, singrava o mar em direção ao Rio de Janeiro.

Sentados ao redor duma mesa, os passageiros conversavam, riam e cantavam.

De repente, o céu começou a escurecer, o vento foi crescendo a mais e mais e apareceram no horizonte sinais evidentes de uma tremenda tempestade.

Com efeito, relâmpagos cintilavam a cada instante, até que um medonho trovão ribombou, aterrando a todos.

Uns tremeram de medo, outros ficaram carrancudos, outros ainda principiaram a rezar, enquanto as crianças choravam e gritavam.

De novo, um terrível fuzil iluminou a amplidão dos mares, ouviu-se uma detonação imensa semelhante a uma descarga de artilharia e um raio caiu na proa do navio.

Redobravam os gritos de angústias, os choros, e uma voz rude, tão poderosa que dominou a vozeria dos passageiros e a celeuma dos marinheiros, brada:

Fogo a bordo!

Antes de dar o comandante qualquer providência, um forte e duradouro tufão despedaçou as velas do navio e trouxe-o, numa carreira vertiginosa, até as ilhas de Santana.

O navio arde e faz água — exclamou o mesmo marinheiro que anteriormente noticiara haver fogo a bordo.

Escaler no mar! — ordenou o comandante. — E metam-se dois de vocês neles — disse aos marinheiros — e prendam um cabo à terra.

Rápidos como o raio caiu o bote dos turcos, saltaram nele os marinheiros e o barco foi amarrado em terra.

Então, por ordem do comandante, alguns passageiros, segurando-o com as mãos, tentaram abordar a uma das ilhas.

Desgraça! Eis que o cabo arrebenta, mal chegam eles ao meio, e são levados pela correnteza.

Destemidos, os marinheiros do escaler procuraram salvá-los, mas um novo tufão vira a embarcação e os seus tripulantes têm a mesma sorte daqueles a quem queriam salvar.

Entretanto, o navio estava completamente submergido na proa e o incêndio lavrava com intensidade.

Agrupados na popa, os passageiros, trêmulos chorosos, olhavam para o comandante, que se conservava mudo e exprimia no seu semblante profundo pesar.

Tudo está perdido — proferiu ele, por fim, como se fora o destino. — Só resta encomendar as nossas almas a Deus.

Um clamor ingente levantou-se a bordo; logo após, todos caíram de joelhos, implorando a divina misericórdia.

Tinham ainda esperança!

Nesse momento, avistou-se a um quilômetro de distância um navio que navegava em direção às ilhas.

Repentinamente, ouviu-se outra detonação e a maior parte dos desgraçados autores desta tragédia saltaram ao ar.

Era um barril de pólvora esquecido que tinha feito explosão.

Ah, antes tivessem todos morrido nela! O fogo já estava a dois metros do lugar onde estavam os infelizes; e o navio, que tinham visto, desaparecera.

Então, dentre todos os mais, distinguiu-se uma mulher moça e formosa, que, com as mãos postas e os olhos nos céus, suplicava socorro.

Todos se esqueceram de sua situação para contemplá-la.

Oh, quão triste e belo era ver essa moça pálida, trêmula de emoção, com os seios palpitantes e a voz sumida, invocando a intenção da Virgem Mãe de Cristo!

É o homem rude que se compadece da alheia desgraça; e, pois, um marinheiro arroja-se à porta da câmara do comandante, que já ardia, arranca-a, precipita-a no mar, convida a que faça o mesmo, oferece-lhe a tábua e arrasta-a para a ilha próxima.

Coitado! Deixando-se guiar tão somente pelo coração, não refletira que estava fatigado.

E em bom tempo cansou e desapareceu da superfície da água.

O navio já tinha sido devorado pelas chamas e os seus habitantes mortos, queimados ou afogados, e ainda a pobre moça, agarrada à tábua, boiava sem destino.

Assim se passou a noite. Muitas vezes, a mísera viu-se à distância da praia, mas essa mesma vaga que a trazia levava-a de novo para o alto-mar.

No dia seguinte, quando o Sol vinha surgindo no horizonte, a desgraçada moça, fatigada, não mais podendo sustentar nas mãos a tábua de salvação, tinha-se submergido.

Muitas horas rolou o seu cadáver nas praias, até que, enfim, chegando lanchas e canoas, mandadas de Macaé para salvar o que possível fosse, sepultaram-na.

*

Ainda hoje, alta noite, dizem alguns pescadores, vê-se uma sombra vagando pela ilha de Santana, situada no meio, e ouvem-se canções tão tristes, tão melancólicas, que introduzem a tristeza nos mais joviais corações.

Depois, ouvem-se soluços, palavras entrecortadas e… mais nada.

E vós, leitores, que sois bons e caridosos, orai por ela.


Fonte: “O Vampyro”/AL, edição de 17 de novembro de 1877.

 

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