DANTE E O SONHO REVELADOR - Narrativa Clássica Sobrenatural - Giovanni Boccaccio
DANTE E O SONHO REVELADOR
Giovanni Boccaccio
(1313 – 1375)
Tradução de Paulo Soriano
Iacopo e Piero, filhos de Dante, ambos poetas, persuadidos por alguns de seus amigos, resolveram, na medida do possível, complementar a obra de seu pai, para que esta não ficasse imperfeita. Então Iacopo — que, quanto a este aspecto, era bem mais fervoroso que o irmão — teve uma maravilhosa visão, que não apenas o libertou de sua tola presunção, como lhe mostrou onde estavam os treze cantos — que eles não logravam encontrar — faltantes à Divina Comédia.
Um digno homem de Ravena, cujo nome era Piero Giardino, um antigo discípulo de Dante, relatou que, oito meses após a morte de seu mestre, o referido Iacopo veio à sua casa uma noite, perto da hora que chamamos de matinas, e lhe disse que, naquela noite, um pouco antes daquela hora, ele, em seu sono, tinha visto Dante, seu pai, vir até ele, vestido com a mais alva das vestes e com uma luz desconhecida a cintilar-lhe no rosto.
Pareceu perguntar ao pai se ele estava vivo e ouvi-lo responder que sim, mas na vida verdadeira, não na nossa. Além disso, pareceu perguntar-lhe se ele havia concluído sua obra antes de sua passagem para a vida verdadeira e, se a havia completado, onde estava o manuscrito faltante, pois eles jamais foram capazes de encontrá-lo.
A isso, pareceu ouvir, pela segunda vez, a resposta:
—Sim, eu a concluí.
E, então, pareceu-lhe que Dante o tomou pela mão e o conduziu ao quarto onde costumava dormir quando estava nesta vida. E, tocando num certo lugar, disse-lhe:
—Aquilo que tanto procuraste está aqui.
Ditas essas palavras, pareceu-lhe que, ao mesmo tempo, fugiram-lhe Dante e seu sono. Por essa razão, declarou que não poderia deixar de vir contar-lhe o que tinha visto, para que juntos pudessem realizar uma busca no lugar que lhe fora indicado — e que ele havia gravado fielmente na memória —, e constatar se fora uma falsa ilusão ou um espírito verdadeiro quem o designara.
Assim, sobejando ainda boa parte da noite, partiram juntos e chegaram ao local indicado, onde encontraram uma esteira fixada na parede. Demovendo-a cuidadosamente, encontraram um pequeno nicho na parede, que nenhum deles jamais vira ou soubera que existia, e nele encontraram alguns escritos, todos mofados pela umidade da parede, e prestes a apodrecer, se permanecessem ali por mais tempo.
Tendo retirado cuidadosamente o mofo, leram-nos e viram que continham os treze cantos que tanto procuravam.
Portanto, com grande alegria, copiaram-nos e enviaram-nos, conforme o costume do autor, a Messer Cane, e, depois, agregaram-no, como convinha, à obra inconclusa. Dessa maneira, a obra, que levara muitos anos para ser elaborada, foi considerada concluída.
Fontes: “Vita de Dante”, G. G. Sansoni Editor, Florença/Itália, 1888; “Life of Dante”, tradução de George Rice Carpenter (sécs. XIX e XX), The Grolier Club, Nova York, 1900.
Ilustração: Domenico di Michelino (1417–1491).
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