A PROCISSÃO DOS DEFUNTOS - Conto de Terror Tradicional Português - Teófilo Braga
A
PROCISSÃO DOS DEFUNTOS
Conto
tradicional português adaptado da narrativa coligida por Teófilo Braga (1843 –
1924)
Havia
numa terra uma mulher muito curiosa: não se passava coisa na rua de que não
desse fé. A qualquer hora da noite, estava sempre por detrás da veneziana a
espreitar e a escutar o que se passava lá fora.
Uma
noite, estava ela já deitada, quando ouviu passos pela rua. A curiosidade a fez saltar da cama e, mesmo de
camisola, correu ao postigo. Era uma procissão que passava e de que ela nunca
ouvira falar. A procissão era muito comprida, e o que mais a fazia pasmar é que
ninguém fazia barulho, nem se ouviam as passadas daquele tropel de gente. A
mulher estava pasmada. Mas eis que passa um homem que ela conhecia. Era o seu
compadre, que havia já tempo que morrera. Para disfarçar a curiosidade, usou de
uma artimanha:
—
Oh meu compadre! — disse ela quando o vulto passou rente ao postigo. —Você me empresta
a sua tocha para acender a candeia que se apagou?
O
vulto deu-lhe a tocha e foi andando. Acabada
a procissão, a mulher foi para a cama, mas não podia dormir. Quando alvoreceu,
e se levantou, é que notou que o quarto estava alumiado com uma luz acesa. Vai
para certificar-se: era o braço de um defunto. A mulher ficou trespassada de
medo e foi confessar o caso a um padre.
—
É castigo da curiosidade. Agora é esperar que a procissão torne a passar daqui
a oito dias, para entregar ao seu compadre o braço do defunto.
Chegado
o dia, a mulher curiosa pôs-se ao postigo e, das duas para as três horas da
madrugada, passou a procissão dos defuntos do mesmo feitio, sem fazer barulho.
Quando
ela viu aproximar-se o vulto do compadre, estendeu o braço e o entregou a ele.
A procissão desapareceu no fim da rua, e quando amanheceu, foram dar com a
mulher morta debruçada ao postigo. Todos os que a conheciam disseram pela mesma
boca:
—
Foi castigo, foi castigo.
Texto adaptado da
narrativa “A Mulher Curiosa”, constante de “Contos Tradicionais do Povo
Português”, de Teófilo Braga.
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