MACABRAS APARIÇÕES - Conto Clássico de Terror - Alexandre Dumas
MACABRAS APARIÇÕES
Alexandre Dumas
(1802 - 1870)
O
doutor chamava-se Sympson. Era um dos médicos mais distintos da faculdade de
Edimburgo e, por consequência, ligado às mais importantes pessoas da cidade.
Entre
tais pessoas contava-se um juiz criminal, cujo nome ele não me disse. O nome
era o único segredo que achava conveniente guardar nessa ocorrência.
Esse
juiz, de quem o Dr. Sympson tratava, sem causa aparente de perturbação da sua
saúde, definhava visivelmente. Havia se apoderado dele uma profunda melancolia.
Sua família havia, por diversas vezes, inquirido o médico, e o médico também
havia interrogado o seu amigo sem poder alcançar mais que respostas vagas, que
mais irritavam a sua inquietação, provando-lhe que existia um segredo, mas que
o doente não o queria revelar. Enfim, certo dia, o Dr. Sympson tanto insistiu
para que lhe confessasse a sua doença, que o seu amigo, segurando-lhe nas mãos
com um sorriso triste, disse:
—Estou
mesmo doente, e minha doença, meu caro doutor, é incurável, pois reside inteiramente
na minha imaginação.
—Como
assim, na sua imaginação?
—Sim.
Estou enlouquecendo.
—Mas
como, enlouquecendo? Você tem o olhar lúcido, a voz tranquila —tomou-lhe a mão
–, o pulso excelente.
—E
nisto, justamente, está a gravidade do meu estado, doutor. É o que vejo e considero.
—Mas
em que consiste a sua loucura?
—Feche
a porta, para que não sejamos incomodados. Vou contar-lhe tudo, doutor.
O
médico fechou a porta e foi sentar-se ao lado do seu amigo.
—Lembra-se
—disse-lhe o juiz —do último processo crime que tive de sentenciar?
—Sim.
Contra um salteador escocês que você condenou a ser enforcado, e que assim o
foi.
—Isto
mesmo. Pois bem, assim que foi proferida a sentença, uma chama saltou dos seus
olhos, e ele me mostrou o punho com ar de ameaça. Não lhe dei atenção...
Ameaças destas são frequentes da parte dos condenados. Mas, no dia seguinte ao
da execução, o carrasco se apresentou a mim, pedindo-me humildemente perdão
pela sua visita, e declarando que julgava de seu dever trazer-me uma notícia: o
salteador tinha expirado proferindo uma espécie de imprecação contra mim e
dizendo que, no dia seguinte, às seis horas — nessa mesma hora ele havia sido
executado —, ele me daria notícias suas.
Pensei
que se tratava de uma surpresa de seus companheiros, de alguma vingança, e
quando se aproximava a hora marcada, encerrei-me no meu gabinete com um par de
pistolas em cima da mesa. Deram seis horas no relógio da minha lareira. Todo o
dia tinha-me preocupado com essa revelação do carrasco. Porém, deu a última
pancada no bronze sem que ouvisse coisa alguma, menos um certo roncar cuja
causa eu ignorava. Voltei-me e vi um grande gato malhado de preto e cor de
fogo. Como ele tinha entrado? Era impossível dizê-lo. As portas e as janelas da
câmara estavam fechadas. Ele deveria estar ali preso o dia todo.
Eu
não tinha merendado. Toquei a campainha. Chegou o meu criado. Mas não pôde
entrar porque eu me trancara por dentro. Fui à porta e a abri. Então falei do
gato preto e cor de fogo. Debalde, procuramos por ele. Tinha desaparecido.
Não
me preocupei mais com isso. A tarde passou-se. Veio a noite. Depois, o dia
seguinte, que correu do mesmo modo. Depois deram seis horas. No mesmo momento,
ouvi por detrás de mim aquele mesmo ronronar: vi o gato.
Desta
vez, ele me saltou ao colo.
Eu
não tinha a menor antipatia por gatos. Entretanto, essa familiaridade me causou
uma impressão desagradável. Enxotei-o do colo. Porém, mal caiu ao chão, saltou
de novo em cima de mim. Eu o repeli, mas tão inutilmente quanto da primeira
vez. Então me levantei e me pus a passear pelo quarto. O gato acompanhou-me
passo a passo. Impaciente com essa insistência, toquei a campainha, como na
véspera. O meu criado entrou. Mas o gato fugiu para debaixo da cama, onde
inutilmente o procuramos: havia desaparecido.
Saí
essa noite. Fiz duas ou três visitas. Depois, recolhi-me para casa, onde
entrei, sem chamar criados, com a minha chave geral.
Como
não tinha luz, subi devagar a escada para não dar um encontrão. Ao chegar ao
último degrau, ouvi meu criado conversar com a camareira de minha mulher.
Ouvi
o meu nome e isto me fez prestar atenção ao que se dizia. Ouvi que contava a
aventura do dia e da véspera. Apenas acrescentou: “Parece-me que nosso amo está
ficando doido. Há tantos gatos pretos no seu quarto quanto na palma de minha
mão”.
Essas
poucas palavras assustaram-me. A visão era falsa ou real. Se real, eu estava
sob o peso de um fato sobrenatural. Se falsa, se eu jugava ver uma coisa que
não existia. Estava, como havia dito o meu criado, ficando doido.
Adivinhe,
meu caro amigo, com quanta impaciência repassada de terror esperei pelas seis
horas. No dia seguinte, sob pretexto de alguns arranjos no quarto, entretive o
criado ao meu lado. Estando ele presente, deram seis horas. À última pancada do
tímpano, ouvi o mesmo barulho e vi o mesmo gato.
Ele
estava aos meus pés.
Fiquei
um instante sem dizer nada, esperando que meu criado visse o gato e dele me
falasse. Mas ele ia e vinha pelo quarto, sem parecer vê-lo.
Aproveitei
um momento em que na linha que haveria de percorrer, para cumprir a ordem que
lhe ia dar, teria eu de passar por cima do gato.
—
Ponha a campainha em cima da mesa, John —disse-lhe.
Ele
estava à cabeceira de minha cama, a campainha estava em cima da lareira. Para
ir da cabeceira à lareira, tinha necessariamente de passar por cima do gato.
Pôs-se ele em movimento. Porém, no momento em que o seu pé ia assentar-se sobre
o gato, este saltou no meu colo.
John
não o viu, ou pelo menos não deu sinal de tê-lo visto.
Confesso
que um suor frio me inundou a testa, e que as palavras “nosso amo está ficando
doido” se apresentaram terríveis ao meu pensamento.
—
John —disse-lhe —, não está vendo nada no meu colo?
John
fitou em mim os olhos e depois, como quem toma uma resolução, disse:
—Sim,
senhor —disse. —Vejo um gato.
Respirei.
Tomei
o gato, e prossegui:
—Pois
então, John, agarre-o e leve-o daqui.
Suas
mãos estenderam-se para mim. Pus-lhe nos braços o bicho e, depois, a um sinal
meu, ele saiu.
Estava
um pouco tranquilizado. Durante dez minutos, olhei ao redor com um resto de
ansiedade. Não descobrindo, porém, nenhum ente vivo da casta de animais,
resolvi saber o que John havia feito do gato.
Saí,
pois, de meu quarto com a intenção de interrogá-lo quanto, ao chegar à porta da
sala, ouvi uma gargalhada que saía do toalete de minha mulher. Aproximei-me de
mansinho, nas pontas dos pés, e ouvi a voz de John.
—Querida
amiga —dizia ele à camareira –, nosso amo não está ficando, já está de todo
doido. Sua loucura lhe faz ver um gato preto cor de fogo. Hoje perguntou-me se
via um gato no seu colo.
—E
o que você respondeu? —disse a criada.
—Ora,
respondi que o via. Coitado, não é bom contrariá-lo. Adivinhe então o que ele
fez.
—Como
quer que eu adivinhe?
—Ele
agarrou no suposto gato, colocou-o nos meus braços e disse-me: “Leve-o daqui,
leve-o daqui!”. Afoito, levei o gato e ele ficou satisfeito.
—Mas
se levou o gato, o gato realmente existia!
—Não.
O gato só existia na sua imaginação. Mas de que lhe teria servido que eu
dissesse a verdade? Ter-me-ia talvez posto no olho da rua. Ora, aqui estou muito
bem: recebo vinte e cinco libras por ano... para ver um gato! Que dúvida! Já o
estou vendo. Se ele me der trinta, estou pronto para ver dois.
Não
tive ânimo para ouvir mais. Dei um suspiro e voltei para o meu quarto. Ele
estava vazio...
No
dia seguinte, às seis horas, como era costume, meu companheiro se achou a meu
lado, e só desapareceu ao amanhecer.
O
que lhe direi, meu amigo? —prosseguiu o enfermo. —Durante um mês a mesma
aparição repetiu-se todas as noites, e já começava a habituar-me à sua presença
quando, no trigésimo dia depois da execução, deram seis horas sem que o gato
aparecesse.
Julguei-me
livre dele e não dormi de tanta alegria. Toda a manhã do dia seguinte levei,
por assim dizer, o tempo adiante de mim, de tão ansioso que estava para ver
chegar a hora fatal. Das cinco às seis horas, meus olhos não se desprenderam do
relógio. Acompanhei a progressão do ponteio de minuto em minuto. Enfim ele
chegou ao número XII, e o estremecimento se fez ouvir. Depois o martelo deu a
primeira pancada, a segunda, a terceira, a quarta, a quinta, a sexta, enfim!...
Então
a porta abriu-se e vi entrar uma espécie de oficial de gabinete do parlamento,
vestido como se a serviço do lorde lugar-tenente da Escócia.
A
minha primeira ideia foi a de que o lorde lugar-tenente me mandava algum
recado, e estendi a mão para o desconhecido. Ele, porém, não mostrou ter dado a
menor atenção ao meu gesto, e veio colocar-se por detrás de minha poltrona.
Não
era necessário voltar-me para vê-lo. Eu estava defronte de um espelho, e nesse
espelho o via.
Levantei-me
e andei. Ele me acompanhou mantendo alguma distância. Voltei à mesa e toquei a
campainha.
O
meu criado apareceu. Mas não viu o oficial, como não tinha visto o gato.
Mandei-o
embora e fiquei sozinho com essa singular personagem, que tive tempo de
examinar a meu gosto.
Estava
ele de fardão, com os cabelos polvilhados, espada à cintura e chapéu armado
embaixo do braço.
Às
dez horas, deitei-me. Então, como para passar também a noite o mais acomodado
que pudesse, ele sentou-se em uma poltrona defronte de minha cama.
Voltei-me
para a parede. Como, porém, foi-me impossível adormecer, duas ou três vezes
voltei-me, e duas ou três vezes a luz de minha lamparina me mostrou o oficial.
Ele
também não dormia.
Enfim
vi insinuarem-se no meu quarto, pelas frestas das janelas, os primeiros raios
do dia. Voltei-me outra vez. A poltrona está vazia.
Até
a noite estive livre de sua presença.
À
noite, havia solene reunião na casa do comissário-mor da igreja. Sob pretexto
de preparar a minha roupa, chamei o meu criado às cinco para as seis, ordenando
que corresse os ferrolhos da porta.
Assim
o fez.
À
derradeira pancada das seis horas, fitei os olhos na porta, vi-a abrir-se e
entrar o oficial de gabinete.
Fui
imediatamente à porta. Ela estava trancada e os ferrolhos ainda estavam
corridos. Voltei-me: o oficial estava por detrás da minha poltrona, e John ia e
vinha pelo quarto, sem mostrar a menor preocupação. Era evidente que não via o
homem, assim como não tinha visto o gato.
Vesti-me.
Então
ocorreu-me algo singularíssimo. Cheio de atenções, o meu novo companheiro
ajudava John em tudo quanto fazia, sem que John desse fé de que era ajudado.
Assim, John segurava na casaca pela gola, o fantasma pegava-lhe nas abas; John
apresentava-se as calças pelo cós, o fantasma segurava-lhe nas pernas. Eu nunca
havia tido criado mais oficioso.
Chegou
a hora de sair.
Então,
em vez de acompanhar-me, o oficial de gabinete antecedeu-me. Insinuou-se pela
porta do quarto, pôs-se com o chapéu por baixo do braço, por detrás de John que
abria a carruagem, e quando John acabou de fechá-la e subiu à traseira, ele
trepou na almofada do cocheiro e encostou-se à direita, para dar-lhe o lugar.
À
porta do comissário-mor da igreja, o meu coche parou. John logo veio abri-lo,
mas o fantasma já estava no seu posto por detrás dele. Apenas pisei no chão, o
fantasma pôs-se a andar adiante de mim, rompendo por entre os criados que
atulhavam a entrada, olhando para ver se eu o acompanhava.
Então
tive vontade de fazer no cocheiro a mesma experiência que havia feito em John.
—Patrick
—perguntei-lhe –, que homem era esse que estava ao seu lado?
—Que
homem, meu senhor? —perguntou-me o cocheiro.
—O
que estava com você na almofada.
Patrick
volveu os olhos espantados ao redor de si.
—Está
bem —disse-lhe. —Enganei-me.
E
fui entrando.
O
oficial havia parado na escada e me esperava. Logo que me viu continuar o meu
caminho, continuou a ir adiante, e entrou na sala como para anunciar-me.
Depois, quando entrei, foi esperar-me na antecâmara, no lugar que lhe
pertencia. Como a John, como a Patrick, a todos tinha ficado invisível.
Então
o meu susto transformou-se em verdadeiro terror e compreendi que realmente ia
enlouquecendo.
Foi
daí em diante que começaram a dar fé da mudança que em mim se efetuava. Cada
qual me perguntava, e até o senhor, meu amigo, o que me preocupava.
Achei
o meu fantasma na antecâmara. Como na minha chegada, correu ele adiante de mim
na minha saída, subiu à almofada, recolheu-se comigo em casa e em meu quarto,
atrás de mim, foi sentar-se na mesma poltrona que na véspera. Então eu quis pessoalmente
verificar se havia alguma coisa de real e especialmente palpável nessa
aparição. Fiz um violento esforço e fui, recuando, sentar-me na poltrona.
Nada
senti. Mas o vi no espelho, de pé, às minhas costas.
Como
na véspera, deitei-me, porém somente a uma hora da madrugada. Logo que me achei
na cama, eu o vi de novo sentado na poltrona.
Ao
romper do dia ele tinha desaparecido.
Essa
visão durou um mês.
Ao
cabo de um mês, falhou-me ele um dia.
Desta
vez não acreditei, como da primeira, em um total desaparecimento, porém em
alguma terrível maldição e, em vez de alegrar-me, aguardei cheio de terror o
dia seguinte.
No
dia seguinte, à última pancada das seis horas, ouvi um leve roçar nos cortinados
da minha cama e, no ponto de intersecção por eles formado, do lado da parede,
vi um esqueleto.
Desta
vez, compreenda, meu amigo, era, se assim posso exprimir, a imagem viva da
morte.
O
esqueleto estava ali, imóvel, fitando em mim os seus olhos vazios.
Levantei-me,
dei algumas voltas pelo quarto. A cabeça me acompanhava em todos os meus
movimentos, os olhos não me deixavam um só instante, e, entretanto, o corpo
ficava imóvel.
Não
tive ânimo de deitar-me. Dormi, ou antes fiquei com os olhos fechados na poltrona
em que costumava sentar-se o fantasma, cuja ausência eu estava reduzido a
lastimar...
Ao
amanhecer, o esqueleto desapareceu.
Mandei
mudar de lugar a minha cama e fechar com cuidado os cortinados.
À
última pancada das seis horas, ouvi aquele mesmo roçar, vi agitarem-se os
cortinados, depois vi duas mãos ossudas separá-los. E o esqueleto ocupou na
abertura o lugar em que na véspera havia estado.
Desta
vez, tive ânimo de deitar-me. A cabeça que, como na véspera, tinha acompanhado
todos os meus movimentos, inclinou-se então para mim.
Os
olhos —que, como na véspera, não se tinham desviado um só instante de mim —cravaram-se
em mim.
Você
não imagina a noite que passei! Pois, meu caro doutor, já lá vão vinte noites
que passo assim. Agora que já sabe o que tenho, pode curar-me?
—Ao
menos hei de tentá-lo —respondeu o médico.
—Como?
Queria saber.
—Estou
convencido de que o fantasma que você vê só existe em sua imaginação.
—O
que importa se ele existe ou não, se eu o vejo?
—Quer
que eu também procure vê-lo?
—Estou
prontíssimo.
—Quando,
então?
—O
mais depressa que possa ser. Amanhã.
—Está
certo, amanhã... Ânimo!
O
doente sorriu-se triste.
No
dia seguinte, às sete horas da manhã, o doutor entrou no quarto do seu amigo.
—E
então —perguntou-lhe –, e o esqueleto?
—Acaba
de desaparecer —este respondeu com a voz fraca.
—Bem,
vamos arranjar-nos de modo a que ele não volte mais.
—Faça
o que entender.
—Primeiramente,
disse-me que ele entra ao último toque das seis horas.
—Sem
falta.
—Comecemos
por fazer parar o relógio.
E
suspendeu o pêndulo.
—O
que pretende fazer?
—Quero
tirar-lhe a faculdade de medir o tempo.
—Bem.
—Agora
vamos fechar as janelas e cruzar perfeitamente as cortinas.
—Para
quê?
—Sempre
para o mesmo fim. Para que o senhor não possa fazer ideia da progressão do dia.
—Está
bem.
Fecharam
as janelas, encruzaram cuidadosamente as cortinas, acenderam as velas.
—Tenha
prontos um almoço e um jantar, John —disse o doutor. —Não queremos ser servidos
em horas certas, mas somente quando eu chamar.
—Ouviu,
John? —disse o enfermo.
—Sim,
senhor.
—E
agora dê-nos cartas, dados, damas e deixe-nos.
John
trouxe o que se pedira e retirou-se.
O
doutor começou a distrair o enfermo o melhor que pôde, quer conversando, quer
jogando com ele. Depois, quando teve fome, tocou a campainha.
John,
que sabia o que queriam, levou o almoço.
Depois
do almoço, continuou o jogo, que foi atalhado por um novo toque de campainha do
doutor.
John
levou-lhes o jantar.
Comeram,
beberam, tomaram café, e tornaram a jogar. O dia pareceu comprido, assim
passado a sós. O doutor julgou ter bem medido o tempo no seu espírito, e pensou
que a hora fatal já devia ter passado.
—Vitória!
—exclamou, levantando-se.
—Como,
vitória? —perguntou o doente.
—Decerto,
hão de ser pelo menos oito horas, e o esqueleto não apareceu.
—Veja
o seu relógio, doutor, já que é o único que aqui em casa está andando; e, se a
hora tiver passado, bradarei também vitória.
O
doutor olhou para o relógio e nada disse.
—Estava
enganado, não, doutor? —disse o enfermo. São seis horas em ponto.
—Sim,
são. Por quê?
—Porque
o esqueleto está entrando agora.
E
o enfermo debruçou-se, dando um profundo suspiro.
O
doutor olhou para todos os lados.
—Onde
você o está vendo? —perguntou.
—No
seu lugar de costume, entre os cortinados da cama.
O
doutor levantou-se, puxou a cama, passou por detrás dela, e foi ocupar, entre
os cortinados, o lugar em que devia estar o esqueleto.
—E
agora —disse –, ainda o está vendo?
—Não
vejo a parte inferior do esqueleto, porque o amigo o encobre. Mas ainda vejo o
crânio.
—Onde?
—Acima
de seu ombro direito. É como se o senhor tivesse duas cabeças, uma viva e outra
morta.
O
doutor, apesar da sua incredulidade, estremeceu. Voltou-se, mas nada viu.
—
Meu amigo —disse tristemente, voltando-se para o enfermo —, se tem algumas
disposições testamentárias a fazer, trate delas.
E
saiu.
Daí
a nove dias, John, ao entrar no quarto de seu amo, achou-o morto na cama.
Havia
três meses, dia por dia, que o salteador tinha sido executado.
Nota dos Editores: Esta
narrativa integra o livro “Os mil e um fantasmas” (“Les mille et un Fantômes”),
escrito por Dumas com a colaboração de Paul Bocage e Paul L. Jacobs (de quem
publicamos o conto “A
mão do Lobisomem”), e publicado originalmente em 1849.
Por motivos editoriais, suprimimos parte do capítulo inicial. Atualizamos a
ortografia. Também fizemos adaptações textuais e correções de erros
tipográficos.
Tradução de autor
desconhecido.
Título original: “Le
Chat, L'huissier Et Le Squelette”.
Conto publicado
originariamente no jornal carioca "O Brasil" no ano de 1850 (edições
nºs. 1621 e 1622).
O crédito das gravuras, que integram a edição original francesa, pertence a Ed. Coppin.
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