A CIMITARRA - Conto Clássico Insólito - Conto de Horror Sarcástico - Ambrose Bierce
A CIMITARRA
Ambrose Bierce
(1842- 1914?)
Tradução de
Paulo Soriano
Quando o
grande Gichi-Kuktai era Mikado[1], condenou Jijiji
Ri, alto funcionário da corte, à decapitação. Pouco depois da hora assinalada
para a realização do ritual, qual não foi a surpresa de Sua Majestade ao ver
aproximar-se tranquilamente do trono o homem que deveria estar morto há dez minutos!
— Por
setecentos mil impossíveis dragões! — exclamou, enfurecido, o monarca. — Eu não
te condenei a comparecer à praça do mercado, para que o executor público te
cortasse a cabeça às três horas? E, agora, não são três e dez?
— Filho de mil
deidades ilustres — respondeu o ministro condenado —, tudo o que dizes é tão
verdadeiro que, em comparação com tuas palavras, a verdade é mentira. Mas os
solares e vivificantes desejos de Vossa Majestade Celestial foram
pestilentamente ignorados. Com alegria, corri e expus o meu corpo indigno na
praça do mercado. O carrasco apareceu com a cimitarra nua, ostensivamente a
girou no ar e, depois, tocando-me levemente o pescoço, foi-se embora,
hostilizado pela turba, de quem sempre fora um favorito. Venho reclamar por que
caia a justiça sobre sua desonrada e traidora cabeça.
— A que
regimento de verdugos pertence esse patife de negras entranhas?
— Ao galante
Nove Mil Oitocentos e Trinta e Sete. Eu o conheço. Seu nome é Sakko-Samshi.
— Que seja ele
trazido diante de mim — disse o Mikado a um ajudante, e meia hora depois
o culpado estava em sua Presença.
— Oh, bastardo
filho de um corcunda de três pernas sem polegares! — rugiu o soberano. — Por
que deste apenas um suave toque no pescoço que deverias ter o prazer de
decepar?
— Senhor dos
Grous e das Flores de Cerejas — respondeu, impassível, o carrasco. — Ordena ao
ministro que assoe o nariz com os dedos.
Acatando a
ordem do soberano, Jijiji Ri segurou o nariz e expirou como um elefante. Todos
esperavam ver tombar a cabeça decepada, assim desgarrada violentamente do
corpo. Mas nada disto aconteceu. O desempenho perdurou pacificamente até o fim.
Todos os olhos voltaram-se ao executor, que ficara tão branco quanto as neves
no cume do Fujiyama. Suas pernas tremiam e sua respiração exalava o terror.
— Por mil
leões de latão espinhoso! — gritou. — Sou um arruinado e desonrado espadachim!
Golpeei tenuemente o vilão porque, ao florear a cimitarra, a fiz atravessar
acidentalmente o meu próprio pescoço. Pai da Lua, renuncio ao meu cargo.
Tendo dito
isto, agarrou-se pelo o rabicho, ergueu a própria cabeça e, avançando em
direção ao trono, a depositou humildemente aos pés do Mikado.
Bierce, gênio !
ResponderExcluirMister Roger (SC)