A MORTE DA BRUXA DE BERKELEY - Narrativa Clássica de Terror - William of Malmesbury
A MORTE DA BRUXA
DE BERKELEY
William of Malmesbury
(c. 1095 – 1143)
Havia
em Berkeley uma mulher que, conforme se disse mais tarde, estava habituada à
maldade e à prática de antigos métodos de augúrio e adivinhação. Era ela uma
criatura sem modéstia alguma, que se entregava apenas aos seus apetites. Ao
longo de toda a sua vida, não se importou com escândalos; todavia, começava a
envelhecer e fazia-se temerosa dos passos da morte.
Certa
feita, enquanto jantava, um pequeno corvo — que a mulher mantinha como animal
de estimação — emitiu um grito que se assemelhava à fala humana. Isto a
assustou tão profundamente que deixou cair a faca. Gemendo de tristeza, com o
rosto repentinamente pálido, disse:
—Hoje
o meu arado produziu o seu sulco derradeiro. Estou prestes a ouvir algo mui
triste e a padecer de grande dor.
Chegou,
naquele momento, um mensageiro que, hesitante, lhe deu a notícia da morte do
filho, o que representava a catastrófica aniquilação de todas as esperanças da
família.
Ferida
no coração, a mulher correu à cama e, atormentada por uma doença mortal, convocou
os filhos que lhe restavam. Eram estes um monge e uma freira.
Com
a voz ofegante, disse-lhes ela:
—Meus
filhos, escravizei-me aos artifícios do demônio e dominei coisas proibidas. Todavia,
em que pesem as minhas maldades, sempre nutri a esperança de que a minha alma
miserável pudesse ser aliviada pelos confortos da vossa religião. Na minha
desesperada situação, eu sempre pensei em vós como meus baluartes contra os demônios
e meus guardiões contra um inimigo deveras selvagem. Agora, ao concluir a minha
vida, é provável que eu me depare com a perspectiva de ser torturada e castigada
por esses mesmos seres que costumavam ser os meus conselheiros no pecado. Eu
vos imploro, portanto — eu, a mulher que vos trouxe ao mundo e vos amamentei —,
que façais vós tudo aquilo que puderdes, com fé e piedade, para aliviar o meu
tormento vindouro. Não espero que possais desviar o verdadeiro julgamento da
minha alma; todavia, talvez possais auxiliar-me, tratando do meu corpo da maneira
que falarei.
“Costurai-me
com pele de um veado e, em seguida, colocai-me, de peito para cima, num
sarcófago de pedra, cuja tampa será selada com chumbo e ferro. Prendei a pedra
com três pesadas correntes de ferro e cantei, todas as noites, cinquenta salmos.
Rezeis missas todos os dias, para arrefecer os ferozes ataque de meus inimigos.
Quando eu estiver assim segura durante três noites, enterrai-me no quarto dia,
embora — tão graves que são os meus pecados —, eu receie que a própria terra se
recuse a receber-me no seu seio aquecido”.
Tudo
foi feito, mercê dos carinhosos cuidados de seus filhos, conforme ela ordenou.
Mas,
tal era a maldade daquela senhora, que quantidade alguma de piedade e oração valeu-lhe
contra a violência do demônio.
Na
primeira e segunda noites da vigília, quando os coros dos clérigos se reuniram
para cantar salmos melodiosos em torno de seu caixão, cuidaram os demônios de arrancar
as bordas externas dos portais da igreja, que haviam sido aparafusados com uma
barra de ferro — malgrado a parte central dos portais, dotados de mais
elaborada construção, se mantivesse firme.
Na
terceira noite, por volta do cantar do galo, assomou o inimigo, fazendo uma
terrível algazarra, e todo o mosteiro foi abalado até aos alicerces.
Uma
criatura demoníaca, maior e mais terrível do que as outras, derrubou a porta de
entrada, que se estilhaçou em fragmentos. Os sacerdotes ficaram rígidos de
pavor, "com os cabelos em pé e as vozes tolhidas na garganta",
enquanto a criatura se aproximava, arrogantemente, do esquife.
A
criatura chamou a mulher pelo nome e ordenou-lhe que se levantasse, ao que ela
respondeu que não podia fazê-lo, por conta das correntes que prendiam o
sarcófago.
—Pelo
poder dos teus pecados, serás libertada! — disse o demônio.
Imediatamente,
o demônio puxou a corrente de ferro, como se esta não passasse de um cordão de
linho.
A
tampa do caixão foi atirada para fora e a mulher, agarrada, foi arrastada para
fora da igreja, diante do olhar horrorizado dos observadores.
Do
lado de fora dos portais da igreja, um feroz cavalo negro relinchava, com
ganchos de ferro projetando-se ao longo do seu dorso. Nesses ganchos foi
colocada a mulher. E todo o séquito demoníaco desapareceu, rapidamente, de
vista, malgrado os gritos de triunfo dos demônios e os pedidos de misericórdia
da senhora pudessem ser ouvidos até quatro milhas de distância.
Tradução indireta de
Paulo Soriano.
barão amigo, vou ler este conto agora, antes de ver o futebol no domingo.
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