EXECUÇÃO EM ANDORRA - Narrativa Verídica de Horror - Autor anônimo do séc. XIX

EXECUÇÃO EM ANDORRA

Autor anônimo do séc. XIX



O tribunal supremo da república de Andorra condenou ultimamente um contrabandista chamado Masteu à pena capital por ter cometido um assassinato.

Na pequena, mas feliz, república de Andorra raras vezes é preciso usar o carrasco do seu triste mister: por este motivo, uma folha estrangeira fez uma longa descrição do julgamento e execução de Masteu, homem que à sus ferocidade juntava força fora do comum.

Aproveitamos dessa descrição as peripécias mais notáveis.

Logo que o tribunal pronunciou a sentença, que, segundo as leis da república, devia ser cumprida no prefixo prazo de 24 horas, o escrivão do vale, acompanhado do “mande” de quatro milicianos armados e do venerável arcipreste de Andorra, dirigiram-se para a prisão, a fim de intimar a sentença ao preso.

Chegado junto ao condenado, viram-no sentado num banco, com as mãos ligadas atrás das costas. Vendo-os, levantou-se imediatamente e, encarando com o venerável sacerdote que ia cumprir a sua missão de confessor, exclamou transportado de terror:

¡Fuera el capellán! (Fora o sacerdote!)

E como o escrivão se preparava para ler a sentença:

É inútil — atalhou ele —, já sei, sou condenado à morte! Retirem-se e deixem-me em paz!

E, virando as costas aos assistentes, dirigiu-se para o fundo da masmorra, onde reinava uma profunda obscuridade.

Desde este momento, o condenado ficou guardado à vista por oito milicianos armados e por Beppo, ajudante de carcereiro.

Antigamente, era preciso pedir às cidades dos reinos vizinhos, que ordinariamente eram Foix ou Seu d’Urgell, os seus executores da alta justiça.

Na véspera do dia em que a sentença devia ser pronunciada, expedia-se com esse fim uma mensagem oficial a uma ou outra destas cidades, de modo que a sentença pudesse ser cumprida no prazo de 24 horas depois de ser pronunciada. Então, o condenado sofria a pena de garrote ou de guilhotina, segundo o estado donde procedia o carrasco.

A vinda de um carrasco estrangeiro originava muitas despesas.

Ver-se-á como o governo da república faz atualmente algumas economias a respeito.

No dia 12, pela manhã, os membros do conselho soberano estavam no palácio da presidência, as milícias das comunas do vale estavam sob as armas; os sinos das paróquias e das capelas dobravam finados; todos os trabalhos do campo estavam suspensos; este dia devia ser registrado como um dos mais nefastos da república.

Entretanto, Masteu, o condenado, mostrava o maior cinismo, quer pelos seus ditos, quer por suas cantigas, a ponto de todos os guardas da prisão se mostrarem indignados. Continuava ainda a insultar a justiça divina e humana, quando um homem de membros hercúleos mascarado à maneira dos faricocos, com mangas da camisa arregaçadas até o antebraço, entra na cadeia e vai bater à porta da masmorra onde está o condenado.

É-lhe aberta imediatamente,

À sua vista os milicianos recuam alguns passos e o próprio ajudante de carcereiro empalideceu ao seu passar.

Quanto ao condenado, logo que o viu, exclamo, querendo sustentar ainda o seu cinismo:

Você é que é o carrasco, meu lindo figurão?

Eu ou outro, que lhe importa?

E, sem outros comentários, pegou nas cordas que ligavam Masteu e, ligando-as à sua moda, tornou-se senhor, pela força, do criminoso.

Depois de se ter convencido de que não tinha nada a recear dos seus movimentos, com a mão direita rasgou, com uma rapidez admirável, primeiro a parte superior da jaqueta, depois todo o alto da camisa do condenado, de modo que este ficou com o pescoço e ombro nus.

Depois, apontando o caminho a Masteu, disse secamente:

Vamos!

As maneiras frias e brutais do mascarado aterraram o próprio condenado, que se tornou lívido de repente.

O cortejo caminhou nesta ordem: quatro milicianos na frente, o mascarado e o condenado; depois, o ajudante do carcereiro e, finalmente, outros quatro milicianos.

Chegaram ao lugar do suplício.

Na praça, que estria cheia de duzentos espectadores, erguia-se um tablado a um metro de altura.

Em volta, tinha sido lançada alguma palha.

Chegado ao cadafalso, o mascarado vendou os olhos do condenado, que caiu de repente numa prostração completa; liga-o ao cepo, força-o a abaixar a cabeça e, pegando com as duas mãos numa espada de dois gumes, de um só golpe faz rolar a cabeça do condenado a seus pés.

Um grito de terror escapou do peito de todos os espectadores e, ao passo que quatro miseráveis vagabundos vão levantar o corpo do supliciado, dirige-se tranquilamente à prisão, munido da espada ensanguentada, recebo os dezoito mil réis do seu salário e, dizendo ao carcereiro à maneira de agradecimento: até outra vez!, torna a sair da prisão e desaparece.

Ninguém sabe quem exerceu as funções de carrasco, que são incumbidas, atualmente, a quem quiser ganhar duas miseráveis libras esterlinas!


Fonte: “Diario de Pernambuco”/PE, edição de 16 de novembro de 1865.





 

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